Rui Martins (*)
Berna (Suiça) - Quando criança pobre em Santos, gostava de estudar o comportamento de certos bichos que criava dentro dos antigos vidros de leite de um litro. Tinham um bocal grande, eram largos e transparentes, facilitando minhas observações (na verdade eu deveria ter me dedicado a esses estudos, em lugar de ter me viciado nessa profissão de jornalista).
Assim, passava horas vendo como se alimentavam os caracóis, como se moviam e construiam túneis as formigas introduzidos naqueles vidros, onde eram alimentados com fartura (às vezes demasiada) fosse com pedaços de banana, migalhas de pão ou mesmo moscas.
Eram meus bichinhos de estimação, como seriam mais tarde meus peixes de aquário, e o gatinho que dormia nos meus pés enquanto preparava minhas lições de escola. Mal chegava da escola, corria para ver os vidros em que viviam, apesar dos resmungos de minha mãe enojada com aqueles caracóis de baba viscosa e sempre prometendo jogar tudo no lixo, na minha ausência.
Essa oposição materna me obrigava a escolher bem os lugares onde deixasse os litros com seres vivos, durante minha presença na escola. Se deixasse num lugar onde batesse sol, seria uma tragédia, com os caracóis se derretendo e se desfazendo com o calor de estufa gerado dentro do litro, cuja tampa estava fechada.
As formigas até que resistiam, dizem que nos sucederão na Terra com os escorpiões, mas o risco com elas era o litro cair e se despedaçar. Ocorria um verdadeiro terremoto que destruía seus túneis, seus armazens de alimentos, seus berçários e nem valia a pena querer catar de novo aquelas formigas sobreviventes desesperadas, correndo pelo chão.
Mas nessas vãs tentativas de criar bichos e insetos em vidros transparentes ou aquários, parece que todas as crianças, ou a quase totalidade, demonstra cuidado e mesmo carinho com suas criaturas. Não colocam os vidros na chapa do fogão, nem mergulham na banheira e nem andam em cima dos que escapam do acidente de um vidro caindo da mesa ou da beira da janela.
Nas longas horas de observação dos meus bichinhos de terra e de água nunca consegui manter um contato, do tipo chifrinho de caracol me fazendo alo, como vai ? Formiga me enviando beijinhos ou peixinhos me enviando mensagens com bolinhas de ar. E, as vezes, me vinha aquela idéia – o que será que pensam, se pensam, de mim ? Será que me vêem por inteiro ou só um pedaço, provavelmente só meus olhos, ficam com medo ? Ou me consideravam um ser superior. Será que têm vontade de se ajoelhar num gesto de sujeição?
Mas façamos uma abstração e imaginemos que pudéssemos ter contato mental com as formigas e que as formigas nos dedicassem uma certa adoração, por sermos maiores, por sermos poderosos. Será que teríamos coragem de chutar formigueiros, jogar água fervendo quando o chão da floresta estivessem formigando, de andar em cima delas esmagando seus corpos, cabeças por distração, inadvertência ou simples maldade ?
Agora, vamos falar de nós, grandes para as formigas e caracóis, mas vistos do alto do avião não somos também como formigas inteligentes, construtoras, falantes, amorosas, românticas, ligadas em famílias, medrosas, supersticiosas com medo do sol que nos olha, da lua, do trovão, do raio, do fogo, achando que nos olham, que sabem nossos nomes, nossas vidas e que escutam nossas queixas, como se estivéssemos dentro de um frasco de vidro ?
Mas se realmente alguém invisível passa horas e horas nos olhando, como eu diante dos meus vidros transparentes, será que seria tão mau a ponto de, vez ou outra, provocar um tsunami, matando de uma só vez mais de 200 mil pessoas, e sacudir a terra num terremoto, matando quase cem mil, fechando os olhos para tantos que com ou sem tsunami ou terremoto morrem de fome ? Eu prefiro achar que não, que não existe ninguém e que a natureza é assim como ela é, selvagem, indomável, boa e má. E que desfrutamos de uma extraordinária chance, temporária é verdade, mas transmissível, a de vivermos.
(*) Rui Martins: Ex- correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é membro do grupo de jornalistas do site Direto da Redação.
Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
Também pode ser encontrado em...
http://www.francophones-de-berne.ch/
http://www.estadodoemigrante.org/
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
.
PressAA
.
Berna (Suiça) - Quando criança pobre em Santos, gostava de estudar o comportamento de certos bichos que criava dentro dos antigos vidros de leite de um litro. Tinham um bocal grande, eram largos e transparentes, facilitando minhas observações (na verdade eu deveria ter me dedicado a esses estudos, em lugar de ter me viciado nessa profissão de jornalista).
Assim, passava horas vendo como se alimentavam os caracóis, como se moviam e construiam túneis as formigas introduzidos naqueles vidros, onde eram alimentados com fartura (às vezes demasiada) fosse com pedaços de banana, migalhas de pão ou mesmo moscas.
Eram meus bichinhos de estimação, como seriam mais tarde meus peixes de aquário, e o gatinho que dormia nos meus pés enquanto preparava minhas lições de escola. Mal chegava da escola, corria para ver os vidros em que viviam, apesar dos resmungos de minha mãe enojada com aqueles caracóis de baba viscosa e sempre prometendo jogar tudo no lixo, na minha ausência.
Essa oposição materna me obrigava a escolher bem os lugares onde deixasse os litros com seres vivos, durante minha presença na escola. Se deixasse num lugar onde batesse sol, seria uma tragédia, com os caracóis se derretendo e se desfazendo com o calor de estufa gerado dentro do litro, cuja tampa estava fechada.
As formigas até que resistiam, dizem que nos sucederão na Terra com os escorpiões, mas o risco com elas era o litro cair e se despedaçar. Ocorria um verdadeiro terremoto que destruía seus túneis, seus armazens de alimentos, seus berçários e nem valia a pena querer catar de novo aquelas formigas sobreviventes desesperadas, correndo pelo chão.
Mas nessas vãs tentativas de criar bichos e insetos em vidros transparentes ou aquários, parece que todas as crianças, ou a quase totalidade, demonstra cuidado e mesmo carinho com suas criaturas. Não colocam os vidros na chapa do fogão, nem mergulham na banheira e nem andam em cima dos que escapam do acidente de um vidro caindo da mesa ou da beira da janela.
Nas longas horas de observação dos meus bichinhos de terra e de água nunca consegui manter um contato, do tipo chifrinho de caracol me fazendo alo, como vai ? Formiga me enviando beijinhos ou peixinhos me enviando mensagens com bolinhas de ar. E, as vezes, me vinha aquela idéia – o que será que pensam, se pensam, de mim ? Será que me vêem por inteiro ou só um pedaço, provavelmente só meus olhos, ficam com medo ? Ou me consideravam um ser superior. Será que têm vontade de se ajoelhar num gesto de sujeição?
Mas façamos uma abstração e imaginemos que pudéssemos ter contato mental com as formigas e que as formigas nos dedicassem uma certa adoração, por sermos maiores, por sermos poderosos. Será que teríamos coragem de chutar formigueiros, jogar água fervendo quando o chão da floresta estivessem formigando, de andar em cima delas esmagando seus corpos, cabeças por distração, inadvertência ou simples maldade ?
Agora, vamos falar de nós, grandes para as formigas e caracóis, mas vistos do alto do avião não somos também como formigas inteligentes, construtoras, falantes, amorosas, românticas, ligadas em famílias, medrosas, supersticiosas com medo do sol que nos olha, da lua, do trovão, do raio, do fogo, achando que nos olham, que sabem nossos nomes, nossas vidas e que escutam nossas queixas, como se estivéssemos dentro de um frasco de vidro ?
Mas se realmente alguém invisível passa horas e horas nos olhando, como eu diante dos meus vidros transparentes, será que seria tão mau a ponto de, vez ou outra, provocar um tsunami, matando de uma só vez mais de 200 mil pessoas, e sacudir a terra num terremoto, matando quase cem mil, fechando os olhos para tantos que com ou sem tsunami ou terremoto morrem de fome ? Eu prefiro achar que não, que não existe ninguém e que a natureza é assim como ela é, selvagem, indomável, boa e má. E que desfrutamos de uma extraordinária chance, temporária é verdade, mas transmissível, a de vivermos.
(*) Rui Martins: Ex- correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é membro do grupo de jornalistas do site Direto da Redação.
Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
Também pode ser encontrado em...
http://www.francophones-de-berne.ch/
http://www.estadodoemigrante.org/
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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2 comentários:
Este terremoto não é uma catástrofe natural, nem as chuvas e secas no Brasil o são. É o H.A.A.R.P., uma arma de guerra que propiciou todo este cenário para a ocupação militar. Haiti será o quartel general para "demolição" dos bolivarianos e exemplo para os demais senzalados da América Latina, seu quintal Monroe. Thomas Jefferson em 1804 advertiu que a liberdade dos Escravos no Haiti foi um mau exemplo. “Dizia que era necessário” confinar a peste naquela ilha.
A agenda da NOVA ORDEM MUNDIAL ESCRAVAGISTA ANGLO AMERICANA NAZI SIONISTA para implantação do 4º Reich segue acelerada e encoberta pela midiotização massiva de sua total propriedade.
Sou grato.
Prazer em conhece-lo; gostei muito do teu texto, onde a vivência
da infância colaborou para uma interessante inferência quanto aos ultimos acontecimentos observados no mundo. Abraços fraternos, guida
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