Eles entram com a faca e os nossos bravos Caetés com o queijo, ou algo semelhante
Macleim Carneiro Damasceno*
Tenho certeza que os 14 leitores do Quiprocó sabem o significado da palavra tripudiar. Mesmo assim, vamos à definição de um dos nossos mestres conterrâneos. Pois bem, lá no Aurélio, tripudiar significa: levar ou pretender levar vantagem sobre alguém, humilhando-o, escarnecendo-o. Mas, quem foi tripudiado? Quem tripudiou quem? Na verdade, historicamente, fica fácil saber quando se trata da relação estado/artistas locais. Isto posto, apresento abaixo alguns valores de mercado que depois de analisados poderão formatar, literalmente, um juízo de valor.
1) O preço da hora em um razoável estúdio de gravação profissional, aqui no aquário, varia entre 30 e 50 reais.
2) Teoricamente, é necessário um mínimo de 100 horas para gravação e mixagem de um CD com 12 faixas.
3) Os músicos costumam cobrar por faixa (música gravada). No nosso mercado pueril e sem sindicato, não há tabelas. Portanto, o preço varia ao sabor da camaradagem e vai de 50 a 100 reais, por faixa.
Muito bem, vamos fazer um cálculo básico. Levando-se em consideração o preço médio de 40 reais por hora de gravação, teremos um total de 4 mil reais gastos com estúdio. Suponhamos que um músico grave em todas as 12 faixas. Esse trabalho lhe renderia um mínimo de 600 ou um máximo de 1100 reais. Porém, sem querer tripudiar, na “brodagem”, como é bastante comum aqui, consideremos uma média de 80 reais por faixa, o que daria um cachê de 960 reais. A não ser que o sujeito faça um disco só de voz e violão, normalmente são necessários, no mínimo, três músicos para executar os arranjos de base. Portanto, 960 X 3 = 2.880 reais, apenas para os músicos de base, sem considerar dobras e complementos. Peguemos então os ingredientes dessa receita e façamos a soma. Teremos um bolo solado de 6.880 reais, porém, com algum sabor para o nosso mercado incipiente. Mas, e o resto do disco? Parou aí, ou será de graça? Nada disso. Faltam ainda: masterização, parte gráfica e prensagem.
Com tantas faltas, falta também uma pergunta bastante pertinente: quem elaborou o edital Nº 003/09 da Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas - SECULT –, que institui o Prêmio de Incentivo à Produção de CDs e/ou DVDs, acha mesmo que a premiação de R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para que, além de tripudiar com a fragilidade e dependência dos proponentes? Tudo bem, dizem, e não é no edital, que a premiação é para aqueles que precisam apenas finalizar seus discos. Ora, que seja, mesmo assim, com essa dinheirama toda, nossos guerreiros Caetés terão que prensar seus discos no formato SMD (aquele que o disco já vem com o preço de R$ 5,00 (cinco reais) nas capinhas tipo envelope, iguais as de CDs virgens que compramos em lojas de informática), se não quiserem sofrer as severas punições prometidas no edital. Ah, também podem esquecer uma masterização decente, num estúdio especializado. Quanto à parte gráfica, bem, essa, sabe-se lá que tipo de acordo farão com o design. Portanto, o resultado desse joguinho de faz de conta é: até poderá haver conteúdo, mas duvido muito do resultado técnico e estético desses produtos. A não ser que o investimento anterior à “premiação” tenha sido suficiente para fugir ao padrão do diletantismo amador.
Em contrapartida, leoninamente, o edital não poupa cláusulas no quesito “Das Obrigações dos Premiados”. Aliás, no quesito das obrigações tem umas coisinhas tripudiosas e, para dizer o mínimo, totalmente desproporcionais à premiação. Uma das mais interessantes é essa: “os premiados poderão ser convidados a se apresentarem no Projeto Caravana Cultural e/ou no Projeto Misa Acústico, da SECULT, sem pagamento de cachê.” E como se não bastasse, estabelece na cláusula seguinte: “Os premiados autorizam a SECULT a registrar em audiovisual as apresentações artísticas no âmbito da Caravana Cultural, para veiculação em rádio, televisão, internet, cabendo-lhes obter as respectivas autorizações dos músicos e profissionais envolvidos.” Na certa desconhecem o que é direito autoral e, ao que parece, nossos bravos Caetés não largaram o pires nem para ler direito o edital do Bolsa Família musical. Ah, tem mais: “os premiados deverão entregar à SECULT 10% (dez porcento) do total de unidades do CD e/ou DVD produzido(s).” Mas, aí, tudo bem, é de praxe, não é? Não, não é não! O sujeito provavelmente já gastou 90%, ou mais, do total do projeto, com recursos próprios, nas etapas de gravação. Daí a Secult entra em cena com a merreca da premiação. Na seguência, via edital, pega de volta 500 reais em discos, levando-se em consideração que o “premiado” fez mil cópias daquele disquinho no formato SMD, comercializado a 5 reais.
Que beleza! Alguém duvida que, mesmo assim, em ano eleitoral, o nosso estruturante tchê cultural irá alardear aos quatro cantos a mediocridade de um edital oportunista como grande acontecimento? E que, em apenas um ano, sua gestão produziu 19 CDs e/ou DVDs? O pior é que não terá a menor dificuldade em provar, graficamente, o faz de conta miserável. Está lá, no tal edital: “em todo o material de divulgação do CD e/ou DVD, deverá constar, obrigatoriamente, as logomarcas do Governo Estadual -SECULT e do Fundo de Desenvolvimento de Ações Culturas –FDAC.” Pois é, mais uma vez, eles entram com a faca e os nossos bravos Caetés com o queijo, ou coisa semelhante.
Já o quesito “Da Premiação” é tripudiosamente enxuto, apenas duas cláusulas. Um delas diz: “serão concedidos até 19 (dezenove) prêmios no valor total de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), sendo 09(nove) prêmios de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e 10 (dez) prêmios de R$3.000,00 (três mil reais). Cabe aqui uma observação capaz de demonstrar bem em qual latitude estamos, e a que ponto vai o faz de conta de ambos os lados dessa “bolachinha” (adoro esse termo pós-moderninho/caderno B). A verba total para premiação, no edital da Secult, sequer chega à quantia que alguns artistas receberam no ano passado para produzirem seus discos, pelo novo formato do edital do Projeto Pixinguinha. Aqui, no aquário, Wado e Vitor Pirralho foram contemplados, cada um com 90 mil reais. Resultado: produziram discos com as condições necessárias para um bom acabamento técnico. Outro bom exemplo é o Programa Petrobras Cultural (PPC), edição 2008/2009, para gravação com disponibilização em CD, que oferta R$ 1,3 milhões, distribuídos entre nove projetos premiados. O que dá uma média de 144 mil reais para cada projeto.
Procurei me informar sobre editais semelhantes, ao da Secult, no nosso vizinho do lado, Pernambuco. Consultei o Zé da Flauta, que despensa comentários como produtor musical e também já foi gestor cultural da prefeitura de Recife. Por e-mail e ele me respondeu assim: ”Os valores daqui também são precários, mas não são miseráveis como o daí!!!! Nossa, não dá nem pra passar o som da batera! Os valores aqui variam entre 30.000 e 50.000, dependendo do projeto. Mais do que isso eles não dão.”
Sei que novamente meti a mão numa cumbuca e, provavelmente, receberei ataques personalistas aos quais não responderei. Apenas lamento a falta de senso crítico dos que não conseguem perceber que este governo (não por acaso, neoliberal) enxerga algumas categorias como ameaça, na medida em que é prestimoso com usineiros e o topo da pirâmide econômico-social, enquanto que ao setor cultural, por exemplo, reserva apenas falsas promessas, migalhas, e um edital pífio como este. Mas, enfim, coerente e digno da atual gestão da Secult, ao menos para a categoria música.
Não me furtarei a opinar sobre assuntos da cultura alagoana, se assim puder contribuir para o debate crítico. Sou daqueles que acha que apontar os graves equívocos na gestão da política cultural em Alagoas não significa ser o dono da verdade, mas significa não abdicar do direito cidadão em discutir e construir novos parâmetros. Mesmo que pouco ou nada adiante, entendo ser um dever democrático e um exercício da cidadania. Pelo menos, em mim, fortalece a utopia inerente ao caminhar em busca de mudanças positivas para todos.
No +, MÚSICAEMSUAVIDA!!!
http://alagoasdiario.com.br/blog/blog7.php
Internet Côco
(Mácleim)
Quando ouvi o côco com embolada
De noite de madrugada
Pela Rua do Ouvidor
É meu destino
De maneira improvisada
Andando pela calçada
Cantando pro meu amor
E ela, nada...
E ela, nada...
Também, pudera
Cantador que na espera
Desespera quando a bela
Faz sinal de aparecer
Assim sou eu
De frente para a janela
Que supostamente ela
Vai abrir e me dizer
Que eu tô de cara...
Que eu tô de cara...
Imbolá côco é assim
Imbolá côco é assim
Se a gente perde o começo
Não sabe quando é o fim
Desesperado eu tentei a internet
Na home page de Margareth
Que um dia acessei
Seu endereço
Tinha ponto com e barra
Minha sorte foi lançada
Num e-mail que eu mandei
Eu navegava...
Eu navegava...
Virou um vício
Era um custo benefício
Já com cara de ofício
Já com jeito de divã
Minha memória
Só pensava em Margareth
Minha vida era um disquete
De capacidade RAM
E se agravava...
E se agravava...
Imbolá côco é assim
Imbolá côco é assim
Se a gente perde o começo
Não sabe quando é o fim
Quase esqueci
A garota da janela
Minha musa, minha bela
Lá da Rua do Ouvidor
Eu tô plugado
Meu passado deletado
Já me sinto escaneado
Dentro de um computador
Em megabytes...
Em megabytes...
Quem sabe um dia
Nossa tecnologia
Restitua a fantasia
Do poeta cantador
E volte o tempo
Do côco, da embolada
De noite, de madrugada
Lá na Rua do Ouvidor
Pelas calçadas...
Pelas calçadas...
Imbolá côco é assim
Imbolá côco é assim
Se a gente perde o começo
Não sabe quando é o fim
*Macleim Carneiro Damasceno é cantor, compositor e produtor musical, considerado um dos maiores nomes da música do estado de Alagoas, conterrâneo do nosso Editor-Assaz-Atroz-Chefe.
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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