segunda-feira, 24 de setembro de 2012

PLANEJANDO A PRÓPRIA MORTE

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(Enviado de Paris) O sociólogo francês Philippe Bataille, que é membro do Comitê de Ética Clínica do Hospital Cochin, em Paris, passou vários anos observando o sofrimento e a agonia de doentes terminais nos chamados Centros de Cuidados Paliativos. Presenciou cenas chocantes. Conviveu com parentes de moribundos, com médicos, enfermeiros, psicólogos, policiais e advogados, a quem entrevistou. O resultado foi um livro, lançado na semana passada, na França, intitulado: À la vie, à la mort. Euthanasie: le grand malentendu. (À vida, à morte. Eutanásia: a grande confusão).
Comecei a ler o livro motivado pela entrevista feita por Cécile Prieur com o sociólogo e publicada, na última quinta-feira, no jornal Le Monde. Mesmo antes de terminar a leitura, me aventuro a apresentar aqui algumas questões discutidas pelo autor sobre a eutanásia e a ajuda médica prestada aos que estão morrendo - um debate que se aprofunda nos países da Europa.
O presidente da França, François Hollande, reconhece o direito do doente de acabar com a própria vida e quer mudar a legislação para tornar isso possível. Embora a lei francesa atual contenha uma brecha que permite o paciente deixar ordens antecipadas a respeito de sua própria morte, os médicos se recusam a atender a vontade daqueles que querem escolher o momento de ir embora desta vida. Ninguém pode sequer morrer em paz. O Estado mete sempre o bedelho.
Philippe Bataille cita o caso do seu colega sociólogo, François Ascher, que antes da fase terminal de sua doença, deixou por escrito, com todas as letras, que queria morrer em casa, sedado, mas os médicos, alegando que "o paciente queria se suicidar", não atenderam seu pedido:
- "A suspeita pesa sempre sobre aquele que deseja abreviar a agonia de um moribundo ou pretende acabar com uma vida vegetativa inconsciente" - escreve o autor.
Ele condena o que denomina de "paliativismo" - uma forma ideologicamente exacerbada de cuidados paliativos, cujo princípio é de que ninguém pode usar recursos médicos para apressar a morte de um paciente, que deve acontecer naturalmente e não pode nem dever ser fruto da vontade ou da intenção do doente. O sociólogo discorda:
- Ora, existem pacientes incuráveis que não desejam morrer de "morte natural". Eles estão fatigados e estressados depois de um longo tratamento geralmente esgotante e pedem para acabar com a agonia, porque chegaram aos limites de suas forças. No entanto, esse pedido, que requer um gesto ativo dos médicos, é sistematicamente bloqueado pelo "paliativismo".


Em seu livro, Phillipe Bataille critica essa visão que se tem do doente, que é visto como uma criança, um bebê, incapaz de decidir por ele mesmo porque estaria numa situação de vulnerabilidade. Dessa forma, o paciente é desqualificado e culpabilizado de querer apressar a morte, quando, na realidade, a crueldade reside justamente no fato de não deixar partir quem está sofrendo. No caso em que a agonia se prolonga por longo período, o médico que nega ajuda para abreviar os dias de vida do paciente é que deve ser acusado de maus tratos - escreve o autor.  
Na entrevista, quando perguntado sobre qual é sua proposta, Phillipe Bataille declarou: "Acho que é absolutamente necessário escutar o doente, levar em conta sua palavra, seu desejo, ouvir o que ele tem a dizer sobre o seu próprio fim. Os médicos que condenam a eutanásia costumam fazer uma caricatura do pedido de ajuda ativa para morrer, como se isso fosse algo criminoso. Quem é melhor médico: aquele que não pode impedir que a doença mate o paciente ou aquele que, ao contrário, o acompanha a ter uma morte digna, com um gesto ativo, no momento em que esse pedido é feito?
Essa questão é bastante polêmica e o autor vem discutindo com seus alunos de doutorado no seminário "Sociologia do sujeito vulnerável", na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, onde orienta teses e coordena um grupo de pesquisa. Há alguns anos ele publicou um livro abordando o mesmo tema, intitulado: O câncer e a vida: os doentes diante da doença.   

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José Ribamar Bessa FreireDoutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003). É professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado, e professor da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Faculdade de Educação. Ministra cursos de formação de professores indígenas em diferentes regiões do Brasil, assessorando a produção de material didático. Assina coluna no Diário do Amazonas  e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nosssa Agência Assaz Atroz.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA


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