"Tolerar a injustiça da qual não somos vítimas é mais do que indiferença, é cumplicidade" (Fernando Soares Campos, em "Para Além das Grades - elementos para a transformação do sistema socioeducativo", Editora PUC-Rio e Edições Loyola, 2005.
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DONA TACI: A SABEDORIA FULNIÔ
Em português, casa é casa e ponto final, cada um que se vire para colocar dentro dela o que bem entender. Na lingua Yaathé, ela já vem "mobiliada": casa é cetutxiá, que significa lugar de sorrir, lugar de paz, de harmonia. Foi numa cetutxiá, no município de Águas Belas, em Pernambuco,onde viveu 82 anos e onde criou seus treze filhos, que dona Taci, uma pajé Fulni-ô, adormeceu sábado passado, sorrindo. Não despertou mais. Deixou uma coleção de histórias deliciosas que seu filho me contou, algumas das quais compartilho, agora, depois de apresentar Thini-á ao distinto público.
Filho caçula de dona Taci, Thini-á Pereira da Cunha, 42 anos, é um velho amigo que há alguns anos saiu de sua aldeia, entre a Serra Comunaty e a Serra Preta, estudou cinema na USP e depois veio morar num sítio em Muriqui (RJ). Aqui de vez em quando nos encontramos, no projeto 'Vivências Indígenas', que ele criou e que lhe permite percorrer escolas e centros culturais, onde narra histórias, discorre sobre filosofia indígena, fala da resistência Fulni-ô e do ritual do ouricuri, dança, canta, mostra o artesanato, além de ensinar algumas noções básicas da língua Yaathé.
Mistura de ator, animador cultural e agitador, ele circula nos meios artísticos, mas nunca deixou de visitar sua aldeia em Pernambuco. Lá, conversava com a mãe e se reabastecia com novas histórias e novos saberes transmitidos em Yaathé, a única língua indígena no Nordeste que se mantém viva e funcional, estudada pela linguista Januacele da Costa, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), coordenadora de um projeto do qual fazem parte pesquisadores e doutorandos, entre os quais Fábia Pereira, que é Fulni-ô.
- Os Fulni-ô são bilingues, pelo menos 90% deles falam fluentemente as duas línguas - Português e Yaathé - ambas usadas na escola da aldeia. O ensino de Yaathé não se limita a palavras soltas; aqui a língua materna tem o mesmo status do português - esclarece Januacele.
Segundo os registros da Funasa divulgados pelo Instituto Sociambiental (ISA), a população Fulni-ô, em 2010, era de 4.336 pessoas, mas se calcula que hoje já ultrapassa seis mil. Uma delas era dona Itaci, mais conhecida por Taci, que aprendeu a ler na época do MOBRAL, porém jamais falava português dentro de casa. Justificava:
- A língua é sagrada, como o ouricuri, porque guarda o pensamento de um povo. Se eu falar em português, por exemplo, a palavra casa, você só vai lembrar do prédio, das paredes, mas se eu falo cetutxiá, aí você sabe que é, sobretudo, um lugar onde a gente encontra alegria e serenidade.
De onde vim
Foi nesse lugar de paz que se deu a educação de Thini-á. Aos nove anos, perguntou à mãe:
- Como é que eu fui feito?
Taci não contou historinhas. Olhou fundo nos olhos do filho e lhe disse:
- Hoje à noite, vou te mostrar. Você, que já ajuda na roça, tem idade pra saber.
De noite, chamou o filho, sentou-o num banquinho de madeira ao lado da cama. Deitou com o marido Manuel e os dois começaram a trocar carícias. Fizeram amor diante dele. Thini-á, muito tempo depois, ainda vive com intensa emoção aquele momento:
- Eu nunca tinha visto aquilo, nem podia imaginar. Fiquei muito feliz de saber que eu era fruto de um ato amoroso como aquele, bonito, vivido com tanta delicadeza, com tanta poesia, com tanta naturalidade. Aliás, minha mãe nunca falava em "fazer amor", mas em "viver o amor".
O pai Manuel completou, então, o processo de formação. Com uma das mãos ainda molhada de esperma, ele segurou na outra uma semente de feijão-guandu, conhecido como "ervilha de pombo". Exibiu as duas mãos e perguntou ao filho:
- Qual é a diferença?
- São sementes.
- O que precisa pra plantar?
- Escolher a semente, revirar a terra, fazer uma cova e enterrar.
- E depois?
- Adubar.
- O que mais?
- Tratar a plantinha e acompanhar o crescimento.
- E depois?
- Já disse tudo.
- Não! É preciso ainda amar e cuidar dela. Me diga, então: terra é macho ou é fêmea?
- É fêmea.
- Tá certo, é fêmea. A terra tem tudo que a mulher tem. É fértil, é bonita, é generosa. Se receber a semente e for amada, agradece e dá frutos. A terra é tão sagrada como a mulher. Nunca faça seu sagrado sofrer, trate as duas com amor, dê prazer a elas.
Thini-á soube, então, porque em sua sabedoria a língua Yaathé chama 'mãe' de ytõketãne que significa o começo do meu olhar o mundo e 'pai' de ytofketá, ou seja, o começo dos meus passos.
Para onde vou
Um dia, no final de agosto, nos preparativos para o ritual do ouricuri, Thini-á, ainda criança, chorou com a pintura que a mãe fez no corpo dele.
- Mãe,o desenho não está bonito, não está perfeito, está torto!
Ela parou de pintar e apontou:
- Meu fio, olhe aquela planta ali. O que há de imperfeito nela?
Thini-á olhou, olhou, e disse que não havia visto nada de errado. Ela insistiu para que ele observasse com muita atenção para ver se havia feiura. Ele disse que só via beleza.
- E aquele galho torto, ali, na parte de baixo?
- É mesmo! É torto!
- A beleza, meu fio, está naquele galho torto se juntando ao galho reto e que assim formam uma harmonia...você já imaginou se as plantas fossem todas retinhas, certinhas, do mesmo tamanho?
De passagem por Brasília, dona Taci indicou a fonte de sua sabedoria. Convidada para um evento na UnB, participou de uma mesa com filósofos, historiadores, antropólogos. Na apresentação de um deles, foi dito que havia feito seu doutorado em Paris e se formado na Sorbonne. Ela ouviu tudo caladinha. Quando chegou a sua vez de falar disse:
- A minha Sorbonne é a mata. É ali que aprendo tudo, até "fosolofia".
Sua passagem por Brasília, em abril de 1990, durante o governo Collor, foi para reivindicar do presidente da Funai, coronel Airton Alcântara, recursos para um projeto comunitário.
- Coronel, nunca ocupei a Funai. Agora, vim aqui porque precisamos de recursos para criar ovelhas. Vou logo avisando: meu nome é "quero-porque-quero". Não aceito um "não".
O coronel, que gostou do jeitão dela, disse brincando:
- E o meu nome é "Não dou-porque-não-quero".
- Mas você é meu funcionário. A Funai só existe porque existe índio, se a gente não existisse, não tinha Funai.
- Tá bom! O que é mesmo que a senhora quer?
- Quero uma coisa pequena, uma maquininha de fazer dinheiro pra poder criar ovelhas.
- Ninguém aqui fabrica dinheiro não, todo mundo vive de salário.
- Então eu quero salário.
- Mas dona Taci, pra ter salário precisa trabalhar.
- Mas eu não tou vendo ninguém trabalhar aqui, só gente sentada, conversando, lendo, olhando papel, andando pelo corredor, não tem ninguém plantando na roça, criando animal, tirando palha, fazendo artesanato...
Saiu de lá meio desencantada, com vontade de xingar as pessoas. Perguntou a Thini-á:
- Como é que os brancos se ofendem?
- Eles chamam os outros com nome de animal.
- Mas isso não é xingar...
- É sim, mãe. Eles falam assim: sua vaca, sua galinha, sua piranha, seu burro...
- Mas por que isso ofende? A vaca tem uns peitões tão bonitos, dá leite, dá carne, dá o couro... A galinha bota ovo, alimenta a gente, faz gracinha pro galo... O burrinho é bonzinho, ajuda a carregar as coisas. Eita povo mais doido, que quando quer ofender, elogia.
A enciclopédia
Ela percorreu as repartições de Brasília - Funai, UnB, Ministério da Agricultura - trajando apenas um vestido de alcinha, sem calcinha, que ela nunca usava. Sentou. O filho advertiu:
- Mãe, fecha a perna, tá tudo aparecendo, tão olhando.
- O que é que tem? As pessoas nunca viram? Que bom, meu fio. Nessa idade, eu pensava que não tinha mais nada pra chamar a atenção. Que bom que ainda tenho alguma coisa que interessa ver.
Voltou para Pernambuco, em companhia do filho, que dias depois anunciou seu retorno ao Rio de Janeiro, onde morava. Ela o aconselhou a buscar uma mulher ali, na aldeia, para plantar nela uma semente, queria mais um neto. Thini-á explicou que não podia ficar, precisava ir, ansiava por novos conhecimentos.
- Ah, então o que você quer não é uma mulher, é uma "ciclopédia", disse ela, encantada com a palavra nova que havia aprendido em Brasília.
Dona Taci foi chamada às pressas por um pequeno comerciante local, de Águas Belas, que queria umas rezas, umas garrafadas para umas dores que estava sentindo. Satisfeito com o resultado final, perguntou:
- Quanto lhe devo?
- Não é nada não.
- Faço questão. Escolha aqui na loja um cobertor.
Dona Taci viu que os cobertores eram todos de qualidade duvidosa, ralos, quase transparentes, daqueles usados por moradores de rua ou pelos caminhões de mudança para proteger os móveis. Sagaz, disse que não se dava bem com cobertor novo, que gostaria de um usado por ele, dono da loja, para ficar com a lembrança do cheiro dele. Ganhou um bom cobertor.
- Meu fio, fiz isso, porque sabia que dono de loja não usa cobertor ralinho.
Óculos Fulni-ô
De três em três meses, vinha à aldeia um ônibus todo equipado trazendo assistência médica. Os fulni-ô aproveitavam para se consultar. Dona Taci fez um check-up.Implicou com o nome do médico, o doutor Rovésio Pardellas, a quem chamou de doutor Ferroso.
- Por que o senhor tá apertando meu peito? O senhor não tem mulher não?
- É pra saber onde tá doendo.
- Mas quem tem de saber onde está doendo sou eu. Foi pra isso, que estudou tanto?
Dona Taci queria porque queria usar óculos, embora não precisasse, mas achava bonito. Na caravana médica, havia um oftalmologista que dilatou suas pupilas, botou colírio, e voltou no dia seguinte, trazendo uma armação sem lentes. Colocou nela para provar o tamanho.
- Já estou enxergando melhor, estou vendo tudo - disse dona Taci.
Ela, na realidade, para ver o mundo, só precisava mesmo da lente fulni-ô. Uma semana após sua morte, em conversa telefônica com o filho, que foi a Águas Belas para o enterro, lembramos dessas e de outras histórias, algumas impróprias para menores. Essa sábia, que agora nos deixou, desceu o Rio Ipanema, entrou no Velho Chico e desaguou no mar, onde foi se juntar, na grande cetutxiá, ao seu Manuel, falecido em 1985. Que descanse em paz!
P.S. - Relembramos alguma dessas histórias com Mariana Kutassy, vizinha de Thini-á em Muriqui, que me deu a notícia da viagem de dona Taci.
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José Ribamar Bessa Freire: Doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003). É professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado, e professor da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Faculdade de Educação. Ministra cursos de formação de professores indígenas em diferentes regiões do Brasil, assessorando a produção de material didático. Assina coluna no Diário do Amazonas e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Urda Alice Klueger*
O calor chegou e deve durar até Março
ou Abril, e mais que em qualquer outra época do ano, nós, brasileiros, fazemos
questão de um leite gelado, de um suco gelado, de uma cerveja “estupidamente”
gelada, para usar o jargão de bar, e sequer nos passa pela cabeça que isso não
é regra no mundo. Estava a lembrar do livro “Henfil na China”, diário de bordo
do nosso grande cartunista que se foi embora antes da hora (descobri, faz pouco
tempo, que a nova geração nunca ouviu falar em Henfil, e então esclareço : Henfil
é irmão do Betinho, o da Campanha Contra a Fome – além de grande cartunista era
hemofílico, e foi uma das primeiras vítimas da AIDS cá na Terra de Santa Cruz).
Mas eu falava do livro “Henfil na
China”, onde muitas vezes ele se reporta ao hábito chinês de beber água quente,
fervendo, conservada em garrafas térmicas para manter a temperatura ideal para
a sede dos chineses. Cá entre nós, nada melhor que uma água fresquinha, de
preferência gelada, para a nossa sede brasileira, e deverá ser um tremendo
sacrifício para um de nós ser servido de água fervente na hora da sede, se
algum dia formos à China. O testemunho de Henfil, digamos, é o outro lado da
moeda, o oposto ao nosso gosto pelo gelado, mas é coisa que acontece a muitos
milhares de quilômetros de distância, lá do outro lado do mundo, no misterioso
oriente, não parece real. Continuamos achando que, tirando os chineses, todo o
mundo é doidinho por quase tudo gelado, como nós, mas não é verdade.
Aqui do nosso lado, lugar onde se
pode ir de ônibus, ficam os países andinos, e quero ver quem consegue uma
cerveja gelada no alto dos Andes! Tá, sei que a maioria vai dizer: mas é porque
lá é frio. Frio é, mas sem exageros. Mesmo numa montanha que fica a 5.300m
acima do nível do mar, onde estive, na Bolívia (Chacaltaia), a gente agüenta
bem com uma camiseta e um blusa grossa de lã. E estive lá nos mês de Maio,
entrada do inverno. Portanto, nada de frio assustador (está-se muito próximo da
linha do Equador), mas também nada de cerveja gelada. A cerveja “Paceña” é
servida diretamente do engradado para a mesa do freguês, e, pasmem: apesar do
frio razoável, há no ar alguma coisa que mantém os picolés fora da geladeira
sem derreter. Eu não queria crer quando vi o primeiro saco de aniagem cheio de
picolés vermelhos sendo conduzidos pela rua, e a primeira bandeja cheia de
picolés sendo vendida num estádio. Parece não ser verdade, mas é. Fico pensando
que até os picolés dos Andes não são muito gelados.
Depois do parêntesis dos picolés, que
achei que deveria contar pelo inusitado da idéia, vamos dar um pulo a uma ilha
do Caribe: Cuba. Cubano não gosta de gelo de jeito nenhum. Eu não conseguia, de
jeito nenhum, fazer algum garçom entender o que queria dizer quando pedia “um
copo com muito gelo”. Muito gelo, para eles, é uma pedrinha de nada, um mísero
caquinho no fundo de um copo. Depois de uns dias, comecei a entrar atrás dos
balcões para mostrar para os garçons o que queria dizer quando pedia um copo
com muito gelo, e eles ficavam boquiabertos, assustados, e diziam que eu
ficaria doente. Escandalizei totalmente uma amiga que fiz em Cuba, uma artesã
chamada Navidad, quando lhe contei que as nossas crianças tomavam gelado desde
pequenas. Ela girou o indicador do lado da cabeça, para dizer que nós éramos
loucos, e explicou: gelo faz mal para os cubanos, dá-lhes dor de cabeça,
deixa-os doentes. Quando penso nas doses imensas de rum puro (à temperatura
ambiente) que bebem como se fosse água, não acredito muito que um pouquinho de
gelo possa lhes fazer mal. É a diversificação das culturas: se bebêssemos todo
aquele rum que eles bebem, sem dúvidas que seríamos nós que ficaríamos com dor
de cabeça.
Bem, demos uma volta por alguns
lugares, a analisar a temperatura das bebidas, e vimos que nem todo o mundo
gosta de suquinho gelado e duma cerveja “estupidamente”, como nós. Dá para
sobreviver nos Andes e em Cuba, mas não consigo me imaginar a tomar água
fervente na China. Acho o melhor, mesmo, é ter leite na geladeira, e água, e
muito gelo para o uísque e cuba-livre. Tentem se imaginar bebendo um capilé de
Max Wilhelm saidinho do fogão: não há brasileiro que agüente!
(Em tempo: hoje, depois do início da
Guerra do Iraque, tirei o Cuba-libre da minha lista de bebidas preferidas – não
consumo mais coca-cola de jeito nenhum, nem nada que saiba ser de procedência
estadunidense e que possa substituir por outra coisa. Recuso-me a ajudar a
financiar a Guerra do Iraque, e há MUITA gente com quem convivo que faz a mesma
coisa. – 21.11.2004)
Blumenau, 05 de Dezembro de 1995
*Urda Alice Klueger, escritora e historiadora. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
Urda, querida colaboradora-correspondente e
acidental gurua, já lhe falei que suas crônicas têm caráter
científico-literário. Você não é daqueles cronistas que se limitam a narrar
casos pitorescos; ao pictórico dos seus escritos só podemos atribuir a sua graciosa
originalidade e o seu poder de nos envolver, nos fazendo interagir com os fatos
enquanto exercitamos a nossa imaginação.
Einsteiniano como sou, poderia eu
tentar expor minhas impressões sobre esta sua crônica, tratando-a sob ponto de
vista científico, relativizando conceitos de quente ou frio, até concluir que
"gosto se discute", ao contrário do dito popular (lá em minha terra
natal, a gente encerra as discussões no pico do "calor da vaquejada",
com expressões do tipo "gosto não se discute", "futebol não se
discute", "religião não se discute", "política não se
discute", e assim vai mudando de assunto para acalmar os ânimos e manter o
relacionamento em razoável clima de compadrio... Conluio mesmo! Conivência.
Pronto! Mas sempre à base de "fêmea é fêmea e macho é macho";
portanto, "opinião é opinião, amores à parte". Se é que me entende! (Não estou
subestimando sua capacidade cognitiva, apenas quero dizer que até aqui estou
sendo um tanto enigmático, mas vou tentar ser um pouco mais explícito, até onde
o tal de "politicamente correto" permitir, sem ferir sensibilidades,
ou seja, sem cutucar a onça com a vara curta de que disponho.)
Bom, além de encerrar as discussões
de determinados temas com uma autoritária ordem pretensamente fundamentada em
princípios afetivos, também usamos o princípio da "imparcialidade
adquirida". Mas... que diabos é isso?! Bom, só posso exemplificar, para
tentar esclarecer o que pretendi dizer sem consciência sobre o dito. O que eu
quis dizer com "imparcialidade adquirida" é o caso de quando estamos
comentando sobre brigas de casal e concluímos que um dos dois foi muito
grosseiro com o outro, aí encerramos o papo com um argumento do tipo
"imparcialidade adquirida": "Em briga de marido e mulher, não se
mete a colher", diz a mulher quando observa que a fêmea está sendo por
demais "autoritária", e diz o homem, quando nota que o macho está
sendo excessivamente grosseiro (grosseiros somos "naturalmente", só
não gostamos de quem está extrapolando o "direito" de sê-lo.)
Mas que papo estranho, não é mesmo, Urda? Quanto mais falo, mais me complico. Porém nada
aí foi dito sem propósito. Suas crônicas já me fizeram repensar muito sobre
alguns problemas num relacionamento conjugal. Uma delas marcou mais profundamente.
Foi "Os homens Velhos",
única que li e publiquei quando estava, ano passado, em minha cidade natal, lá
no Sertão Alagoano.
Dei boas risadas quando li os dois
últimos parágrafos e disse pra mim mesmo: "Acho que um grande percentual
das mulheres agem assim, inconscientes, claro; mas, capaz de dizer isso pra
gente, dessa forma, só conheço a Urda".
Eu nunca poderia imaginar que
as mulheres agem daquela maneira. Me lembrei de algumas indiretas que mandei
pra cima de minha mulher, ironizando-a por ela se comportar da maneira como você comenta naquela crônica (leve ironia, pois nunca fui sarcástico com
ela nem com ninguém de quem gosto; até já censurei alguém que vivia
ridicularizando sua própria mulher na frente de todo mundo).
Depois da leitura daquela sua
crônica, fiquei feliz da vida, pois teria argumentos para convencer minha
querida companheira a não se preocupar comigo, ou seja, ela não precisava andar
vestida de maneira descuidada a fim de não parecer "superior" a mim.
Queria dizer a ela que poderia se vestir como qualquer mulher
"normal", como toda a vaidade que possa expressar, de preferência,
sensual.
Só você mesma, Urda, para dizer o que
qualquer mulher poderia dizer, mas não diz porque nem ela mesma tem consciência
de que age daquela forma.
Mas eu, até hoje, não disse nada
daquilo à minha mulher. Quer dizer, não disse claramente, com todas as letras, ao pé
da ideia; apenas fui, oportunamente, insinuando, deixando as dicas; pois, se a
gente expuser diretamente a nossa opinião, pode parecer que está impondo-a.
Bom, agora falando do Henfil. Ele tem
muita responsabilidade sobre as bobagens que escrevo, principalmente no que diz
respeito à minha pretensa intenção de fazer humor. Ah! Se em 1995 você disse que a "nova" geração da época não sabia quem era o Henfil, imagine
hoje. Nos anos 1980, ouvi um apresentador de televisão se referir a ele como o
cartunista "Rênfil", o que dizer, então, de um jovem nos dias de
hoje, cantando O Bêbado e a Equilibrista assim: "...e sonha, com a
volta do irmão doentio..." (já ouvi isso, e não foi recentemente, foi
em 1980).
Estou sempre me lembrando do
"Henfil na China - antes da Coca-Cola",
Mas, nesta sua crônica , você me fez
lembrar que a turma do barril costuma pedir uma cerveja
"estupidamente" gelada.
Certa ocasião, mandei o roteiro de
uma tirinha para o Jaguar, que fazia o Bar São Jorge, no velho Pasca. O meu
roteiro descrevia um freguês que pedia uma cerveja "estupidamente",
pois, quando a gente queria uma cerveja muito
gelada, bastava pedir "estupidamente", ficando aí subentendido o "gelada". Aí o garçom arremessava uma
garrafa que ia bater na testa do freguês, Ploft!, e este se esborrachava no chão e completava a frase: "Gelada, pô!".
Ele fez a tirinha, e eu fiquei me sentindo o
máximo!
Abração, Urda!
Fernando
Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy
of Cartoons
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PressAA
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