Lula e a Tropa de Elite da Blogosfera
Fernando
Soares Campos
Nos dias 20, 21 e 22 de agosto de 2010, momento
de plena campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, aconteceu o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas (leia-se
“blogueiros pró-governo progressista”), em São Paulo, capital, com a
participação de 330 blogueiros de 17 unidades da federação.
O
encontro foi viabilizado pela solidariedade dos participantes, que, em alguns
casos, se cotizaram e, em outros, disponibilizaram hospedagens domésticas para
participantes de outras regiões.
Resumo das
deliberações do encontro:
a) Apoio
ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL);
b) Defesa
da regulamentação do disposto em artigos da Constituição Federal que determinam
a regulamentação das concessões de órgãos de comunicação, proibindo a concentração
abusiva por empresas do ramo e estimulando a produção independente e regional,
além de estabelecer princípios e objetivos de sistemas público, estatal e
privado;
c) Combate
a projetos de lei que visem limitar o uso da internet e defesa do princípio de
neutralidade na rede;
d)
Reivindicação de políticas públicas que incentivem a blogosfera e estimulem a
diversidade informativa e a democratização da comunicação, e protesto contra
recursos governamentais que sirvam para reforçar a concentração midiática no
país;
e) Cobrança
sobre as garantias de implantação das deliberações da 1ª Conferência Nacional
de Comunicação (Confecom), em especial a da criação do imprescindível Conselho
Nacional de Comunicação;
f) Instituição
do encontro anual dos blogueiros progressistas, como um fórum plural,
suprapartidário e amplo; e
g) Criação
de núcleos de apoio jurídico aos blogueiros progressistas, no âmbito das
tentativas de censura que vêm sofrendo, sobretudo por parte de setores
políticos conservadores e de grandes meios de comunicação de massas.
As
empresas de mídia ca-val-garam e andaram para o evento, nenhuma notícia, nem
mesmo uma notinha na seção de Achados & Perdidos.
O
segundo encontro foi realizado em maio de 2011, no auditório da Confederação
Nacional dos Trabalhadores no Comércio, em Brasília, e contou com a presença de
500 blogueiros de 21 estados. O ex-presidente Lula e o ministro das
Comunicações, Paulo Bernardo, participaram da abertura do evento.
“Diferente
da primeira edição, quando o eixo central dos debates foi focado na campanha
eleitoral presidencial, desta vez, os blogueiros discutiram diversas formas de
continuar a luta e o debate por um novo marco regulatório de comunicação que
acabe com o oligopólio midiático existente no Brasil e pela efetivação do Plano
Nacional de Banda Larga.” (II
Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas reafirma força da blogosfera ―
DIÁRIO DO PRÉ-SAL)
Dessa
vez o evento mereceu uma notinha de um dos órgãos eretos da imprensa jurássica:
FOLHA
DE SÃO PAULO
20 de
junho de 2011
Blogueiros
“progressistas” pedem novo marco regulatório da mídia
DE
BRASÍLIA - Uma carta aberta redigida por blogueiros que
participaram de um encontro em Brasília pede novo marco regulatório dos meios
de comunicação (conjunto de leis e diretrizes que regulam o funcionamento do
setor) e faz ataques à mídia.
O evento, patrocinado por Petrobras,
Fundação Banco do Brasil, Itaipu Binacional e governo do Distrito Federal,
terminou ontem, em Brasília, e contou com a presença de cerca de 400 pessoas
que apoiaram o governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff.
“É a blogosfera que tem garantido de
fato maior pluralidade e diversidade informativas”, diz trecho da carta.
Blogueiros pedem divulgação imediata do
projeto redigido pelo ex-ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicação
Social na gestão Lula), ainda não tornado público.
A abertura contou com a participação de
Lula e do ministro Paulo Bernardo (Comunicações). Lula criticou o papel de
“falsos formadores de opinião”, e Bernardo disse que os meios de comunicação
precisam saber “ouvir críticas”.
O 3º Encontro Nacional
de Blogueiros Progressistas aconteceu nos dias 25, 26 e 27 de maio de 2012, em
Salvador, contou com a participação de cerca de 300 blogueiros e de lideranças
como jornalista Franklin Martins (ex-ministro da
Comunicação), a coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, e o deputado federal Emiliano José (PT) da
Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão.
Ligeiro histórico de
momentos da blogosfera progressista
Nos
últimos anos rebatemos a mídia que faz o papel de oposição aos governos
petistas e seus aliados com os meios disponíveis, que são, principalmente, os
ciberespaços. Até aqui vem dando certo; até quando, não sabemos.
Uma
frase minha, tempos atrás, repercutiu bem, ela se refere às eleições de Lula e
o desempenho da cibermilitância, foi
reproduzida em diversos sites e pode ser lida na Wikipédia, numa página
intitulada "Partido da Imprensa Golpista".
Vejamos
o que disseram sobre tal sentença:
Para o jornalista e escritor Fernando Soares Campos,22 "sem
a internet, dificilmente Lula teria sido eleito; se fosse, não assumiria; se
assumisse, teria sido golpeado com muita facilidade. O PIG é forte, é Golias,
mas a internet [está] assim de Davi!".1 Para Campos, a existência da Internet
interferiria com o monopólio da informação por parte dos grandes grupos
midiáticos, e essa interferência dificultaria os golpes.1
Há quem alegue que, na primeira eleição de
Lula, ainda não contávamos com a chamada blogosfera progressista, mas não resta
dúvida de que diversos sítios internáuticos já faziam contraponto à mídia
empresarial.
Em 2005, até os primeiros momentos do escândalo
midiático do “mensalão”, os articulistas e formadores de opinião de linha
progressista e governista que faziam a resistência aos ataques da mídia opositora
haviam-se multiplicado; porém, diante de “supostas evidências” (desculpem o
paradoxismo) de que o governo seria nocauteado, muitos deles assumiram,
textualmente, a condição de derrotados. Outros ficaram na expectativa, sem se
manifestar, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Poucos foram os que
tomaram imediata iniciativa em defesa dos petistas acusados.
Recordemos alguns comportamentos e articulações
em torno da primeira grande crise política enfrentada por Lula:
O Estado de
São Paulo
Pesos pesados de Lula vão à oposição para frear idéia de
impeachment
14/08/2005
Os ministros mais influentes do governo montaram uma operação para
evitar a abertura de um processo de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e vão retomar as conversas com a oposição nos próximos dias. O time
escalado para a tarefa é composto por Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Antonio
Palocci (Fazenda) e Jaques Wagner (Relações Institucionais). O trio já
desempenhou essa missão há um mês, mas sem êxito. Agora, porém, a situação é
mais delicada. "Não podemos permitir que nosso projeto seja interrompido",
afirmou Lula na reunião ministerial de sexta-feira, na Granja do Torto. Um dos
ministros presentes ao encontro disse ao Estado que o governo sairá da
defensiva. "As energias podem estar voltadas para a CPI, mas o País não
pode parar por causa da crise política", afirmou. "O governo precisa
governar."
(...)
As cúpulas de PSDB, PFL e PPS vão reunir-se amanhã para avaliar a
agenda dos próximos dias nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos, que
mais uma vez podem trazer depoimentos explosivos, entre os quais o do
tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri. Discutirão, ainda, o parecer das
assessorias jurídicas dos partidos sobre a fundamentação de um eventual pedido
de processo de impeachment contra Lula.
Com o agravamento da crise política nos
últimos dias, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também se
empenha em atrair para o diálogo não só os líderes de oposição. Além de
conversar com pefelistas e tucanos, Renan está procurando líderes da base
aliada, do governo e do PT. Foi o que fez, em almoço informal na sexta-feira,
em que reuniu na residência da presidência do Senado Virgílio e os líderes na
Casa do PFL, José Agripino Maia (RN), e do PT, Delcídio Amaral (MS), que
preside a CPI dos Correios.
(...)
ALTERNATIVAS
"Estamos discutindo alternativas de
futuro, considerando que Renan é a única autoridade, neste momento, com livre
trânsito em todos os partidos", explicou Agripino. Ele também está
entusiasmado com a adesão do presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE),
ao diálogo, por se tratar de um dos mais severos críticos da administração
petista.
"Temos de conversar e estar em
articulação permanente para não sermos surpreendidos com um pedido de
impeachment de uma legenda menor, como o PPS", acrescentou Agripino, certo
de que essa articulação de líderes aponta para uma convergência. "Quando a
crise ficar incontrolável, o entendimento já estará em marcha."
É com esta preocupação que Renan convidou
os líderes para uma avaliação dos cenários possíveis com o desdobramento da
crise política. O entendimento geral é o de que ninguém tem o controle dos
fatos. Ao contrário, argumentam, os fatos é que vão pautar se vai ou não haver
impeachment, diante da reação da opinião pública às denúncias que surgem a cada
dia.
(...)
ISOLADO
Segundo o deputado Luiz Carlos Hauly
(PSDB-PR), que participa do grupo, o sentimento predominante é o de que a crise
é muito grave e o presidente Lula está isolado. Embora alguns tucanos tenham
comparado esta crise com a do governo Collor, vários deputados chamaram a
atenção para as diferenças de temperamento e perfil entre Lula e Fernando
Collor. Prevaleceu a avaliação de que, se Lula tiver de deixar a Presidência
antes do fim de seu mandato, ele apelará para as ruas e criará um grande
tumulto de conseqüências imprevisíveis, o que pode dividir o País. E isto é
algo que ninguém quer.
(Para ler completo, clique AQUI)
[PressAA
recomenda também a (re)leitura de “Renan tem um boi chamado Dossiê”]
Relembremos ainda que o então senador
Antonio Carlos Magalhães (UDN (1954-1965), ARENA(1965-1980), PDS (1980-1985),PFL (1985-2007), DEM (2007), do alto da Tribuna do Senado,
apelou para que as Forças Armadas interferissem e golpeassem o governo legítimo
de Luiz Inácio Lula da Silva. E o senador Jorge Bornhausen declarou o “fim da
raça petista”. Os golpistas chegaram a fazer tintim com as taças cheias de
lágrimas de trânsfugas.
Conclusão: Lula foi reeleito, e Dilma se
elegeu como a primeira mulher presidente da República Feder-ativa do Brasil.
Acontece que o tempo passa, o tempo voa, e o
golpismo sempre encontra sua boa, pois o permanente “feder-ativo” é condição imprescindível para as
campanhas da oposição retrógrada e mídia conspiradora deste país.
Entretanto, em vista de os cibermilitantes pró-governo terem conseguido, até o presente,
desempenhar seus papéis de forma razoavelmente competente e obter resultados
favoráveis, chegamos ao ponto de desdenhar o poder da mídia empresarial e da
oposição, que, se não conta com correligionários idealistas, despojados de
interesses pessoais, mas detêm o quase-monopólio das comunicações de massa e o
poder da grana que ergue e destrói coisas belas.
A memória de muita gente é realmente curta;
existe outro tanto de pessoas imediatistas; e os eleitores mais jovens, mesmo
os beneficiados pelos programas sociais dos governos petistas, acreditam que as
coisas sempre foram como são hoje: creem que os governos sempre priorizaram o
social visando às classes mais necessitadas. E é basicamente nesses conjuntos
que a oposição aposta: memória curta, imediatistas e desinformados (ou
alienados: “aqueles não conhecem nem compreendem os fatores políticos, sociais
e culturais que os condicionam e os impulsos íntimos que os levam a agir da
maneira que agem”, paráfrase de definição no Houaiss).
Por enquanto, ainda contamos com uma tendência
da opinião pública favorável à reeleição da presidenta Dilma Rousseff, porém,
quem viaja em transportes públicos como eu (ônibus, vans, trens, barcas...) e
enfrenta filas em geral (bancos, supermercados, INSS, repartições públicas...),
faz refeições em estabelecimentos populares e frequenta feiras livres, ou seja,
um bicho pobre, já começa a notar um incremento de comentários pessimistas; em
sua maioria, infundados, atrofiados, insustentáveis, facilmente refutáveis, mas
insistentes entre pessoas dos estratos menos aquinhoados da sociedade. Fazem,
invariavelmente, referência a notícias e comentários de “especialistas” da
televisão.
Blogosfera não é panaceia midiática, e, se não nos cuidarmos, a velha mídia desta vez nos engole. Na Venezuela, na última eleição para presidente, os vendilhões da pátria quase retornam ao poder pelas urnas.
Blogueiros a nível de...
Lula não costuma dizer ou fazer muita bobagem,
só de vez em quando, gastando a cota natural de vacilação a que qualquer ser
humano tem direito. Não o considero gênio, como há quem o repute, mas ninguém
pode negar sua expressiva habilidade como líder político, forjado nas lutas
sindicais, nas campanhas eleitorais e no competente cumprimento dos mandatos
que o povo lhe conferiu.
Creio que a entrevista coletiva que Lula
concedeu recentemente a meia dúzia de blogueiros convidados foi um desses
equívocos do eminente cabo eleitoral de Dilma. Não pelas respostas ou
declarações espontâneas, mas sim pela inoportunidade do acontecimento.
Lula poderia ter esperado um pouco e só conceder
essa entrevista durante o IV Encontro
Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, a ser realizado nos dias 16, 17 e 18 de maio,
no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, e que contará com a presença de renomados
jornalistas, políticos, intelectuais, professores e acadêmicos.
Observei que, entre aquelas centenas de
blogueiros que participaram dos encontros anuais, muitos deveriam ter sido convidados
para a última coletiva de Lula, que poderia ser realizada num amplo auditório.
Notei que muitos desses blogueiros não se interessaram em publicar a notícia
sobre o acontecimento, outros o fizeram, mas não se empolgaram tanto quanto em
determinadas ocasiões em que Lula se pronunciou. A notícia circulou através de
grupos profissionais de mídia e, em alguns casos, foi postada nas redes sociais
sem a chamada, apenas com o título e foto. Deu para perceber a frieza dos
blogueiros e dos leitores comentaristas.
Provavelmente o fato gerou certa insatisfação
em muitos blogueiros independentes, militantes despojados de
interesses pessoais, defensores das conquistas no âmbito social e dos tímidos,
porém importantes, avanços na retomada de consciência política, em contrapasso
com a herança maldita deixada por décadas de atraso e alienação.
A nomeação de uma espécie de “Tropa de Elite da
Blogosfera” não agrada aos blogueiros progressistas em geral, pois equipara
esta virtual “instituição” às tropas de choque blogueiras e colunistas dos
órgãos rijos das mídias empresariais. Quem é o nosso Reinaldo Azevedo? Quanto
vale um Noblat progressista? Qual dos nossos ativistas tem o savoir-faire do
Jabor? Teremos frustrados Lobões aderindo ao nosso movimento? Cantanhêde lá Cantarela
cá?
Temo que a partir de agora o blogueiro
municipal discuta com o blogueiro estadual qual deles é capaz de bater o
blogueiro federal.
Fernando Soares Campos
Leia também...
Lula a Dilma: “Vamos ganhar com você”
_______________________________________________________________________________31/08/2013 - Copyleft
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - A militância política de Raul Pont iniciou há cerca de 50
na luta contra a ditadura civil-militar implantada no Brasil a partir do golpe
de 1964 que derrubou o governo de João Goulart. De lá para cá, dedicou sua vida
à política, pela esquerda. Fundador do PT, deputado estadual, deputado federal,
prefeito de Porto Alegre e candidato à presidência nacional do partido em 2005,
Pont anunciou na última semana que não pretende concorrer na eleição de 2014 (é
deputado estadual no Rio Grande do Sul) e que vai centrar sua atividade
política fora do parlamento.
Em entrevista à Carta
Maior, Raul Pont fala sobre as razões de sua decisão, critica o atual modelo
eleitoral do país (“está podre”) e a crescente influência do poder econômico na
vida política brasileira, inclusive no PT.
“Para mim, a militância
parlamentar é uma militância como qualquer outra. Não faço carreira disso. A
maior parte da minha vida política ocorreu fora do parlamento”, diz o dirigente
petista que pretende dedicar parte de sua atividade política agora a convencer
filiados e militantes do PT que é preciso combater a influência do poder
econômico dentro do partido e as práticas que ela engendra, como o inchaço do
Colégio Eleitoral no Processo de Eleições Diretas (PED) deste ano. O Diretório
Nacional revogou, por maioria, regras que haviam sido aprovadas no último
Congresso do partido estabelecendo critérios mais rígidos para a participação
de filiados nas eleições internas.
“A atual direção do
partido defendeu que não poderíamos baixar o número de votantes (em relação ao
último PED) pois passaria uma imagem negativa para fora. Esse foi o argumento
apresentado no Diretório Nacional que, por maioria, começou a afrouxar as regras.
Nos últimos dias, há uma verdadeira explosão do quórum do colégio eleitoral
(...) Eu prefiro mostrar para fora um partido real, com regras claras e bem
definidas, do que um partido do inchaço. E agora estamos diante de um novo
inchaço que vai deslegitimar o processo eleitoral”, critica Pont, advertindo:
“Ou nós conseguimos
convencer um grande número de militantes que esse tipo de prática é um câncer
dentro do partido, ou o partido vai morrer canceroso e nós vamos ter que
construir outro e começar de novo”.
Carta Maior: Como se deu e
quais são as razões de sua decisão de não concorrer à reeleição em 2014?
Raul Pont: É uma decisão pessoal
que, evidentemente, ainda pode estar subordinada a um debate político no
partido ou na minha própria corrente [a Democracia Socialista]. Mas a minha
disposição pessoal é de não concorrer. É claro que não há um único motivo ou
uma única razão para isso. O primeiro deles tem a ver com o sistema eleitoral
que nós temos. Eu não estou descobrindo agora que esse sistema não é bom ou que
acho ele antidemocrático. Eu luto e brigo contra isso há décadas. A primeira
coisa que fiz quando fui deputado federal foi tentar levar adiante uma emenda
constitucional que buscava estabelecer um mínimo de igualdade e identidade na
representação proporcional dos estados. Não consegui apoio nem nas grandes dos
partidos de centro e de direita de São Paulo, que é o maior prejudicado no
modelo atual. Voltei para o Rio Grande do Sul e o projeto foi arquivado.
Naquele momento, a questão
do poder econômico não estava tão acentuada e as nossas campanhas no PT ainda
não estavam dominadas por essa lógica dos demais partidos. Ainda eram
candidaturas muito coletivas. De lá para cá, e principalmente nas últimas
eleições, a partir de 1998 e 2002, com a eleição de Lula, onde nós batemos no
teto na representação federal, nós só patinamos.
Mesmo com o partido
crescendo, mesmo possuindo mais deputados estaduais, mais diretórios, mais
filiados e militantes, com governos federais a favor, o tamanho da bancada
federal parou de crescer. Ao contrário, estamos diminuindo o número de nossos
deputados federais, ainda que se eleja o presidente da República três vezes
seguidas, e a influência do poder econômico só vem se exacerbando.
Um estudo da Consultoria
Legislativa da Câmara Federal mostra que, na eleição de 2010, 370 deputados
foram eleitos combinando a condição de candidaturas mais caras (entre as 513
candidaturas mais caras do país). E isso tende a continuar. O valor das
contribuições empresariais dobra ou mais do que dobra a cada eleição, chegando
a quase 5 bilhões de reais na última campanha. Isso do que foi declarado. Houve
muita triangulação dentro dos partidos e o que corre sem declaração é
incalculável. Assim, trabalhando só com os dados do Tribunal Superior
Eleitoral, temos, na última eleição, quase 5 de bilhões de reais doados por
pessoas jurídicas para candidatos. E são doações para candidatos, não para os
partidos. Os candidatos são escolhidos a dedo por essas empresas, em todos os
partidos, inclusive o nosso. O número de empresas dispostas a financiar
candidaturas dentro do PT cresce de maneira assustadora.
Eu nunca me elegi desse jeito. Nunca pedi dinheiro para empresa, banco ou latifundiário. A eleição hoje está cada vez mais difícil. Esse é um dos motivos pelos quais decidi não concorrer no ano que vem. É um protesto mínimo e uma espécie de denúncia de que esse sistema está podre e dominado pelo poder econômico, e o será cada vez mais.
Eu nunca me elegi desse jeito. Nunca pedi dinheiro para empresa, banco ou latifundiário. A eleição hoje está cada vez mais difícil. Esse é um dos motivos pelos quais decidi não concorrer no ano que vem. É um protesto mínimo e uma espécie de denúncia de que esse sistema está podre e dominado pelo poder econômico, e o será cada vez mais.
Carta Maior: E quais
seriam os outros motivos?
Raul Pont: Para mim, a militância
parlamentar é uma militância como qualquer outra. Não faço carreira disso. A
maior parte da minha vida política ocorreu fora do parlamento. Comecei a
militar 50 anos atrás e não tinha a mínima ideia ou pretensão de ter algum
cargo. Militava no movimento estudantil, no Sindicato dos Bancários. Em 1964,
eu era bancário e comecei a estudar História na UFRGS. A minha militância
começou efetivamente na resistência ao golpe militar em março de 64. De lá para
cá eu não parei e na maior parte da minha militância não precisei de mandato,
atuando até em condições muito mais adversas que a atual. Então, para mim o
parlamento não é o único espaço de atuação. Há o partido, sindicatos, entidades
sociais, o trabalho que posso fazer como professor universitário na área de
ciência política. Posso contribuir também com a formação política dentro do
partido.
Tenho 50 anos de
militância. Vou completar 70 anos de idade no ano que vem. É claro que isso
cansa e a minha vitalidade não é a mesma dos meus tempos de estudante e de
jogador de basquete. Acho que o partido precisa se renovar e abrir espaço para
novos quadros. Votei a favor do limite de mandatos no último Congresso do PT
(que aprovou um limite de três mandatos). Acho que é um bom exemplo sinalizar
para a juventude, para outros companheiros e companheiras que estão com mais
vitalidade, mais pique, e que respondem também a uma nova conjuntura. Depois de
30, 40 anos, a vida de um partido político, principalmente num caso como o do
PT que teve um crescimento muito rápido, tende a uma certa burocratização, à
consolidação de funções e cargos de direção e representação parlamentar, que
vai acomodando as pessoas. Temos que ter regras e práticas como o direito de
tendência, o limite de mandatos ou a quota de 50% de gênero nas direções
partidárias (também adotada pelo PT no seu último Congresso) para evitar que
isso ocorra.
Se tem algum partido hoje
no Brasil preparado para não fossilizar esse partido é o PT. Ele tem um
processo muito dinâmico. Agora mesmo, no dia 10 de novembro, nós vamos eleger
todas as nossas direções - municipais, estaduais e nacional – pelo voto direto
dos filiados. As correntes do PT são dinâmicas, compõem maiorias e minorias.
Quem é minoria está brigando para ser maioria, etc. Isso dá um dinamismo muito
superior às experiências que a esquerda teve na Europa e na própria União
Soviética, onde os aparatos partidários fossilizaram e se transformaram em
burocracias vinculadas ao Estado. Penso que a grande contribuição que o PT traz
para a teoria partidária no Brasil é a introdução de novas regras internas como
a garantia de uma quota de 50% de gênero nas direções partidárias. Só isso já
vai ser uma mudança muito grande nas direções do PT.
Mas não conseguimos ainda
fazer uma reforma política e o que dá o tom do sistema hoje é a regra do jogo.
O predomínio do poder econômico, o sistema de voto nominal que fortalece o
indivíduo, enfraquece o partido e liquida com a ideia de identidade de
programa, de projeto, torna o candidato cada vez menos um candidato do partido
e mais um candidato da empresa ou do grupo econômico que o financiou. Ele passa
a ser um lobista daquele grupo econômico e não mais um sujeito comprometido com
a base que o elegeu.
Hoje temos a bancada
ruralista, a bancada do setor financeiro, a bancada identificada com os
interesses automobilísticos, a bancada dos agrotóxicos, das igrejas
evangélicas, sem que alguém tenha votado para isso. As pessoas votaram em
indivíduos que, teoricamente, se apresentaram como sendo de um partido. Esse sistema
está falido, quebrado e é cada vez mais antidemocrático e corruptor.
Como até agora não
conseguimos mudá-lo, vamos ter que continuar tentando. E eu não pretendo
continuar lutando aqui dentro (da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul).
Vou lutar lá fora. Vou continuar escrevendo sobre isso, denunciando essas
práticas, ajudando a organizar as pessoas em favor de outro modelo de política.
Acho uma tarefa importante que pretendo continuar cumprindo por toda a vida.
Não estou saindo da política, estou saindo do parlamento, de uma representação
parlamentar.
Carta Maior: Esse aumento
do poder econômico no sistema político e dentro dos partidos parece que só vem
crescendo nas últimas eleições. Quando a gente acha que a situação não pode
piorar ela piora um pouco mais, como aconteceu essa semana com a aprovação da
PEC do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a pagar todas as emendas
individuais dos parlamentares ao orçamento da União, até o valor de R$ 10
milhões por deputado e senador.
Raul Pont: Exatamente. Há algumas
coincidências que são impressionantes. O mesmo Congresso que não consegue votar
o fim da guerra fiscal, um mínimo de reforma tributária para o país, a reforma
política e eleitoral, um imposto sobre as grandes fortunas, coisas que todos
dizem serem justas e necessárias, no meio dessa crise toda, 376 deputados, com
toda a facilidade e rapidez, aprovam uma proposta de clientelismo impositivo.
As emendas parlamentares,
por si só, já são uma excrescência da política, um clientelismo escancarado, a
antessala da corrupção. Todo mundo que já passou por uma prefeitura sabe disso.
De certa forma, é a legalização da corrupção e do clientelismo. Com exceção do
PT que, para meu desgosto e contrariedade, liberou o voto, todos os demais
partidos, inclusive os ditos esquerdistas do PSOL, votaram favoravelmente.
Esses partidos orientaram o voto ‘sim’ nos dois turnos. Como o PT não fechou
questão, ao menos os deputados que integram a Mensagem ao Partido e alguns
outros votaram contra (outros 40 deputados do PT votaram a favor).
Mas a nossa bancada
deveria ter fechado questão. Aqui expresso uma contrariedade, não com o sistema
eleitoral, mas com atual executiva nacional do partido Eu sou parte da direção,
mas sou minoria dentro do Diretório desde a fundação do partido. Como é que
essa direção coordenada pelo Rui Falcão, que é o presidente do partido, sequer
estabelece uma orientação para a bancada. Pode até perder. Mas se você não
orienta, não diz que determinada política está errada, fica difícil. Ninguém
defende que essa PEC é uma política correta e republicana. Se todos os partidos
orientam o voto ‘sim’ e o nosso libera o voto, nem o nosso partido se
distingue. Nós nos diluímos no oportunismo, na submissão, na cumplicidade com
práticas que ninguém consegue defender abertamente.
Como é que você quer que o
eleitor, olhando para isso, vá confiar nos partidos políticos. Nós estamos
afundando um processo de representação democrática duramente alcançado, que não
é nenhum paraíso, mas que é superior às ditaduras e a muitas democracias já
completamente dominadas pelo poder econômico como é o caso dos Estados Unidos.
Essa lógica é mortal para o sistema democrático e só favorece o autoritarismo e
saídas fascistas.
Os conceitos estão
completamente confusos. Este ano vimos pessoas na rua gritando coisas como
“ninguém nos representa”. Mas quem representa então? Existe outro partido em
gestação que vai representá-los? O sistema é todo igual? Os partidos são todos
iguais? Vamos criar a cada luta, a cada greve um novo partido que representa
essa luta específica? Não. Há um acúmulo necessário para isso, um processo de
identificação que nem sempre pode ser de cem por cento. Acho que o descrédito
que está se criando hoje no Brasil é perigosíssimo, pois ele conduz às famosas
saídas messiânicas de algum militar de plantão ou de algum populista
autoritário querendo impor uma nova ordem.
Nós já vivemos isso. Como
eu tenho 50 anos de experiência nas costas, sei bem como são essas coisas.
Seria um desastre para nós um retrocesso desse tipo. Por isso eu quero lutar
para ter partidos que controlem e punam os eleitos quando for o caso, para que
os eleitos tenham fidelidade partidária, que sejam subordinados ao partido para
votar as resoluções nas assembleias e nas câmaras. É essa noção de partido que
precisamos fortalecer para termos uma democracia confiável com um mínimo de
legitimidade. E nós estamos indo no caminho oposto. Já vimos outras vezes como,
em momentos como este, sempre aparece um Castelo Branco, um Jânio Quadros, a figura
salvadora da humanidade que, de maneira autoritária, resolve tudo.
Carta Maior: Na sua
avaliação, essas preocupações estão presentes nos debates do Processo de
Eleições Diretas, pelo qual o PT renovará, pelo voto dos filiados, todas as
suas direções agora em novembro?
Raul Pont: O problema é que esses
vícios do poder econômico vão para dentro do partido. O nosso estatuto e o
nosso código de ética proíbem tais coisas. O artigo 14 do Código de Ética, por
exemplo, diz que o que foi feito na votação da PEC que tornou as emendas
parlamentares impositivas é proibido no PT. Os deputados que votaram a favor
dessa medida, que é flagrantemente clientelista e contrária a critérios
republicanos e democráticos no gasto público, tinham que ser punidos,
suspensos. Praticamente a metade da bancada teria que ser suspensa. Ou essas
pessoas são enquadradas ou então que se rasgue o código de ética.
Nós estamos em plena
disputa interna no PT. O quarto congresso do partido, talvez sensível a esse
quadro das ruas que já se expressava no ano passado, aprovou regras e normas
bastante rígidas para esse Processo de Eleições Diretas que vivemos agora.
Essas regras fariam com que o tamanho do colégio eleitoral apto a votar caísse
drasticamente. Dos 1,7 milhão de filiados, que o PT tem hoje aproximadamente,
votaria um número muito menor. A maioria desses filiados não paga as
contribuições mensais. Há inclusive dirigentes partidários, cargos de confiança
e parlamentares que não estão com as contribuições em dia. Se a regra aprovada
no congresso fosse para valer, teríamos algumas dezenas de milhares de filiados
aptos a votar neste PED (no último PED votaram cerca de 500 mil filiados).
Diante desse cenário, a
atual direção do partido defendeu que não poderíamos baixar o número de votantes
pois passaria uma imagem negativa para fora. Esse foi o argumento apresentado
no Diretório Nacional que, por maioria, começou a afrouxar as regras. Nos
últimos dias, há uma verdadeira explosão do quórum do colégio eleitoral, um
crescimento exponencial do número de eleitores, com evidente incidência do
poder econômico, colocando em dia as contribuições de filiados. Há filiados
pagando por outros, filiados que descobrem que alguém já pagou a sua
contribuição e que eles vão poder votar. Só que esse alguém que pagou vai dizer
em quem eles devem votar.
Nós discutimos essa
questão e fomos derrotados no Diretório. Foi muito conflitivo pois, para nós, o
Congresso é uma instância superior ao Diretório e, portanto, este não poderia
revogar uma regra aprovada no primeiro. Mas o Diretório, por maioria, acabou
mudando as regras, alegando razões de prestígio externo do partido.
Eu prefiro mostrar para
fora um partido real, com regras claras e bem definidas, do que um partido do
inchaço. E agora estamos diante de um novo inchaço que vai deslegitimar o
processo eleitoral. De novo, também no PT, ganha quem compra mais votos. Essa
é, infelizmente, a dura realidade que estamos vivendo. É impossível, a cada
ano, a gente começar de novo, um novo partido, uma nova sigla. Precisamos
travar uma luta interna, pois nestes 33 anos de vida do PT nós construímos uma
experiência riquíssima e muito forte. Estamos ultrapassando a casa dos 1,7
milhões de filiados e tenho a certeza de que a maioria dessas pessoas não
concorda com esse tipo de método.
Temos aí, portanto, um
espaço de trabalho político, de disputa e de convencimento. Mas esse processo
de inchaço do colégio eleitoral não deixa de ser um elemento corruptor também.
Se isso virar uma prática permanente dentro do partido, que não possa ser
revertida no Congresso ou no Diretório do partido, nós vamos ter que pensar
outras formas de organização, começar de novo, com todos os problemas que isso
implica.
Eu disse há alguns dias
numa entrevista que os partidos não têm prazo de validade e também não há
nenhum desígnio dos céus dizendo que vai durar 20, 30 ou 100 anos. É a prática
social, a identidade dessa luta com a vida, com a realidade, que determina
essas coisas. Não sou profeta, não sei bem o que vai acontecer no próximo período.
Pela experiência acumulada, a gente sabe que tem coisas que não dão certo.
Algumas coisas eu tenho certeza que não darão certo. Mas não sei se teremos
capacidade de nos contrapormos a essas práticas. Pode ser que sim, pode ser que
não. Acho que neste momento a gente precisa brigar com as regras do jogo que
estão na mesa e tentar convencer o maior número possível de militantes de que
não podemos abandonar princípios éticos e morais na política. O preço que nos é
cobrado depois é muito maior. Ou a política tem outro padrão que não o da força
ou das regras do esquecimento, ou nunca vamos conseguir formar cidadãos plenos,
com capacidade de discernimento e capazes de construir alternativas melhores.
Ou nós conseguimos
convencer um grande número de militantes que esse tipo de prática é um câncer
dentro do partido, ou o partido vai morrer canceroso e nós vamos ter que
construir outro e começar de novo. Essa é a minha opinião.
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12/04/2014 - Copyleft
Pimenta é só para os olhos dos outros
O candidato do PSDB ao Governo de Minas, Pimenta da Veiga, escolhido a dedo por Aécio Neves, foi indiciado pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro.
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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons
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