domingo, 13 de abril de 2014

Lula e a Tropa de Elite da Blogosfera --- Entrevista: Aos 50 anos de militância, Raul Pont anuncia nova frente de luta

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Lula e a Tropa de Elite da Blogosfera

Fernando Soares Campos

Nos dias 20, 21 e 22 de agosto de 2010, momento de plena campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, aconteceu o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas (leia-se “blogueiros pró-governo progressista”), em São Paulo, capital, com a participação de 330 blogueiros de 17 unidades da federação.

O encontro foi viabilizado pela solidariedade dos participantes, que, em alguns casos, se cotizaram e, em outros, disponibilizaram hospedagens domésticas para participantes de outras regiões.

Resumo das deliberações do encontro:

a) Apoio ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL);
b) Defesa da regulamentação do disposto em artigos da Constituição Federal que determinam a regulamentação das concessões de órgãos de comunicação, proibindo a concentração abusiva por empresas do ramo e estimulando a produção independente e regional, além de estabelecer princípios e objetivos de sistemas público, estatal e privado;
c) Combate a projetos de lei que visem limitar o uso da internet e defesa do princípio de neutralidade na rede;
d) Reivindicação de políticas públicas que incentivem a blogosfera e estimulem a diversidade informativa e a democratização da comunicação, e protesto contra recursos governamentais que sirvam para reforçar a concentração midiática no país;
e) Cobrança sobre as garantias de implantação das deliberações da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em especial a da criação do imprescindível Conselho Nacional de Comunicação;
f) Instituição do encontro anual dos blogueiros progressistas, como um fórum plural, suprapartidário e amplo; e
g) Criação de núcleos de apoio jurídico aos blogueiros progressistas, no âmbito das tentativas de censura que vêm sofrendo, sobretudo por parte de setores políticos conservadores e de grandes meios de comunicação de massas.

As empresas de mídia ca-val-garam e andaram para o evento, nenhuma notícia, nem mesmo uma notinha na seção de Achados & Perdidos.

O segundo encontro foi realizado em maio de 2011, no auditório da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio, em Brasília, e contou com a presença de 500 blogueiros de 21 estados. O ex-presidente Lula e o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, participaram da abertura do evento.

Diferente da primeira edição, quando o eixo central dos debates foi focado na campanha eleitoral presidencial, desta vez, os blogueiros discutiram diversas formas de continuar a luta e o debate por um novo marco regulatório de comunicação que acabe com o oligopólio midiático existente no Brasil e pela efetivação do Plano Nacional de Banda Larga.” (II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas reafirma força da blogosfera ― DIÁRIO DO PRÉ-SAL)

Dessa vez o evento mereceu uma notinha de um dos órgãos eretos da imprensa jurássica:

FOLHA DE SÃO PAULO

20 de junho de 2011

Blogueiros “progressistas” pedem novo marco regulatório da mídia

DE BRASÍLIA - Uma carta aberta redigida por blogueiros que participaram de um encontro em Brasília pede novo marco regulatório dos meios de comunicação (conjunto de leis e diretrizes que regulam o funcionamento do setor) e faz ataques à mídia.

O evento, patrocinado por Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Itaipu Binacional e governo do Distrito Federal, terminou ontem, em Brasília, e contou com a presença de cerca de 400 pessoas que apoiaram o governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff.

“É a blogosfera que tem garantido de fato maior pluralidade e diversidade informativas”, diz trecho da carta.

Blogueiros pedem divulgação imediata do projeto redigido pelo ex-ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicação Social na gestão Lula), ainda não tornado público.

A abertura contou com a participação de Lula e do ministro Paulo Bernardo (Comunicações). Lula criticou o papel de “falsos formadores de opinião”, e Bernardo disse que os meios de comunicação precisam saber “ouvir críticas”.

O 3º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas aconteceu nos dias 25, 26 e 27 de maio de 2012, em Salvador, contou com a participação de cerca de 300 blogueiros e de lideranças como  jornalista Franklin Martins (ex-ministro da Comunicação), a coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, e o deputado federal Emiliano José (PT) da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão.


Ligeiro histórico de momentos da blogosfera progressista

Nos últimos anos rebatemos a mídia que faz o papel de oposição aos governos petistas e seus aliados com os meios disponíveis, que são, principalmente, os ciberespaços. Até aqui vem dando certo; até quando, não sabemos.

Uma frase minha, tempos atrás, repercutiu bem, ela se refere às eleições de Lula e o desempenho da cibermilitância, foi reproduzida em diversos sites e pode ser lida na Wikipédia, numa página intitulada "Partido da Imprensa Golpista".

Vejamos o que disseram sobre tal sentença:

Para o jornalista e escritor Fernando Soares Campos,22 "sem a internet, dificilmente Lula teria sido eleito; se fosse, não assumiria; se assumisse, teria sido golpeado com muita facilidade. O PIG é forte, é Golias, mas a internet [está] assim de Davi!".1 Para Campos, a existência da Internet interferiria com o monopólio da informação por parte dos grandes grupos midiáticos, e essa interferência dificultaria os golpes.1

Há quem alegue que, na primeira eleição de Lula, ainda não contávamos com a chamada blogosfera progressista, mas não resta dúvida de que diversos sítios internáuticos já faziam contraponto à mídia empresarial.

Em 2005, até os primeiros momentos do escândalo midiático do “mensalão”, os articulistas e formadores de opinião de linha progressista e governista que faziam a resistência aos ataques da mídia opositora haviam-se multiplicado; porém, diante de “supostas evidências” (desculpem o paradoxismo) de que o governo seria nocauteado, muitos deles assumiram, textualmente, a condição de derrotados. Outros ficaram na expectativa, sem se manifestar, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Poucos foram os que tomaram imediata iniciativa em defesa dos petistas acusados.

Recordemos alguns comportamentos e articulações em torno da primeira grande crise política enfrentada por Lula:

O Estado de São Paulo

Pesos pesados de Lula vão à oposição para frear idéia de impeachment

14/08/2005

Os ministros mais influentes do governo montaram uma operação para evitar a abertura de um processo de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vão retomar as conversas com a oposição nos próximos dias. O time escalado para a tarefa é composto por Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Antonio Palocci (Fazenda) e Jaques Wagner (Relações Institucionais). O trio já desempenhou essa missão há um mês, mas sem êxito. Agora, porém, a situação é mais delicada. "Não podemos permitir que nosso projeto seja interrompido", afirmou Lula na reunião ministerial de sexta-feira, na Granja do Torto. Um dos ministros presentes ao encontro disse ao Estado que o governo sairá da defensiva. "As energias podem estar voltadas para a CPI, mas o País não pode parar por causa da crise política", afirmou. "O governo precisa governar."

(...)

As cúpulas de PSDB, PFL e PPS vão reunir-se amanhã para avaliar a agenda dos próximos dias nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos, que mais uma vez podem trazer depoimentos explosivos, entre os quais o do tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri. Discutirão, ainda, o parecer das assessorias jurídicas dos partidos sobre a fundamentação de um eventual pedido de processo de impeachment contra Lula.

Com o agravamento da crise política nos últimos dias, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também se empenha em atrair para o diálogo não só os líderes de oposição. Além de conversar com pefelistas e tucanos, Renan está procurando líderes da base aliada, do governo e do PT. Foi o que fez, em almoço informal na sexta-feira, em que reuniu na residência da presidência do Senado Virgílio e os líderes na Casa do PFL, José Agripino Maia (RN), e do PT, Delcídio Amaral (MS), que preside a CPI dos Correios.

(...)

ALTERNATIVAS
"Estamos discutindo alternativas de futuro, considerando que Renan é a única autoridade, neste momento, com livre trânsito em todos os partidos", explicou Agripino. Ele também está entusiasmado com a adesão do presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE), ao diálogo, por se tratar de um dos mais severos críticos da administração petista.

"Temos de conversar e estar em articulação permanente para não sermos surpreendidos com um pedido de impeachment de uma legenda menor, como o PPS", acrescentou Agripino, certo de que essa articulação de líderes aponta para uma convergência. "Quando a crise ficar incontrolável, o entendimento já estará em marcha."

É com esta preocupação que Renan convidou os líderes para uma avaliação dos cenários possíveis com o desdobramento da crise política. O entendimento geral é o de que ninguém tem o controle dos fatos. Ao contrário, argumentam, os fatos é que vão pautar se vai ou não haver impeachment, diante da reação da opinião pública às denúncias que surgem a cada dia.

 (...)

ISOLADO
Segundo o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que participa do grupo, o sentimento predominante é o de que a crise é muito grave e o presidente Lula está isolado. Embora alguns tucanos tenham comparado esta crise com a do governo Collor, vários deputados chamaram a atenção para as diferenças de temperamento e perfil entre Lula e Fernando Collor. Prevaleceu a avaliação de que, se Lula tiver de deixar a Presidência antes do fim de seu mandato, ele apelará para as ruas e criará um grande tumulto de conseqüências imprevisíveis, o que pode dividir o País. E isto é algo que ninguém quer.

(Para ler completo, clique AQUI)

[PressAA recomenda também a (re)leitura de “Renan tem um boi chamado Dossiê”]


Relembremos ainda que o então senador Antonio Carlos Magalhães (UDN (1954-1965), ARENA(1965-1980), PDS (1980-1985),PFL (1985-2007), DEM (2007), do alto da Tribuna do Senado, apelou para que as Forças Armadas interferissem e golpeassem o governo legítimo de Luiz Inácio Lula da Silva. E o senador Jorge Bornhausen declarou o “fim da raça petista”. Os golpistas chegaram a fazer tintim com as taças cheias de lágrimas de trânsfugas.

Conclusão: Lula foi reeleito, e Dilma se elegeu como a primeira mulher presidente da República Feder-ativa do Brasil.

Acontece que o tempo passa, o tempo voa, e o golpismo sempre encontra sua boa, pois o permanente “feder-ativo” é condição imprescindível para as campanhas da oposição retrógrada e mídia conspiradora deste país.

Entretanto, em vista de os cibermilitantes pró-governo terem conseguido, até o presente, desempenhar seus papéis de forma razoavelmente competente e obter resultados favoráveis, chegamos ao ponto de desdenhar o poder da mídia empresarial e da oposição, que, se não conta com correligionários idealistas, despojados de interesses pessoais, mas detêm o quase-monopólio das comunicações de massa e o poder da grana que ergue e destrói coisas belas.

A memória de muita gente é realmente curta; existe outro tanto de pessoas imediatistas; e os eleitores mais jovens, mesmo os beneficiados pelos programas sociais dos governos petistas, acreditam que as coisas sempre foram como são hoje: creem que os governos sempre priorizaram o social visando às classes mais necessitadas. E é basicamente nesses conjuntos que a oposição aposta: memória curta, imediatistas e desinformados (ou alienados: “aqueles não conhecem nem compreendem os fatores políticos, sociais e culturais que os condicionam e os impulsos íntimos que os levam a agir da maneira que agem”, paráfrase de definição no Houaiss).

Por enquanto, ainda contamos com uma tendência da opinião pública favorável à reeleição da presidenta Dilma Rousseff, porém, quem viaja em transportes públicos como eu (ônibus, vans, trens, barcas...) e enfrenta filas em geral (bancos, supermercados, INSS, repartições públicas...), faz refeições em estabelecimentos populares e frequenta feiras livres, ou seja, um bicho pobre, já começa a notar um incremento de comentários pessimistas; em sua maioria, infundados, atrofiados, insustentáveis, facilmente refutáveis, mas insistentes entre pessoas dos estratos menos aquinhoados da sociedade. Fazem, invariavelmente, referência a notícias e comentários de “especialistas” da televisão.

Blogosfera não é panaceia midiática, e, se não nos cuidarmos, a velha mídia desta vez nos engole. Na Venezuela, na última eleição para presidente, os vendilhões da pátria quase retornam ao poder pelas urnas. 

Blogueiros a nível de...

Lula não costuma dizer ou fazer muita bobagem, só de vez em quando, gastando a cota natural de vacilação a que qualquer ser humano tem direito. Não o considero gênio, como há quem o repute, mas ninguém pode negar sua expressiva habilidade como líder político, forjado nas lutas sindicais, nas campanhas eleitorais e no competente cumprimento dos mandatos que o povo lhe conferiu.

Creio que a entrevista coletiva que Lula concedeu recentemente a meia dúzia de blogueiros convidados foi um desses equívocos do eminente cabo eleitoral de Dilma. Não pelas respostas ou declarações espontâneas, mas sim pela inoportunidade do acontecimento.

Lula poderia ter esperado um pouco e só conceder essa entrevista durante o IV Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, a ser realizado nos dias 16, 17 e 18 de maio, no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, e que contará com a presença de renomados jornalistas, políticos, intelectuais, professores e acadêmicos.

Observei que, entre aquelas centenas de blogueiros que participaram dos encontros anuais, muitos deveriam ter sido convidados para a última coletiva de Lula, que poderia ser realizada num amplo auditório. Notei que muitos desses blogueiros não se interessaram em publicar a notícia sobre o acontecimento, outros o fizeram, mas não se empolgaram tanto quanto em determinadas ocasiões em que Lula se pronunciou. A notícia circulou através de grupos profissionais de mídia e, em alguns casos, foi postada nas redes sociais sem a chamada, apenas com o título e foto. Deu para perceber a frieza dos blogueiros e dos leitores comentaristas.

Provavelmente o fato gerou certa insatisfação em muitos blogueiros independentes, militantes despojados de interesses pessoais, defensores das conquistas no âmbito social e dos tímidos, porém importantes, avanços na retomada de consciência política, em contrapasso com a herança maldita deixada por décadas de atraso e alienação.

A nomeação de uma espécie de “Tropa de Elite da Blogosfera” não agrada aos blogueiros progressistas em geral, pois equipara esta virtual “instituição” às tropas de choque blogueiras e colunistas dos órgãos rijos das mídias empresariais. Quem é o nosso Reinaldo Azevedo? Quanto vale um Noblat progressista? Qual dos nossos ativistas tem o savoir-faire do Jabor? Teremos frustrados Lobões aderindo ao nosso movimento? Cantanhêde lá Cantarela cá?


Temo que a partir de agora o blogueiro municipal discuta com o blogueiro estadual qual deles é capaz de bater o blogueiro federal.

Fernando Soares Campos


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31/08/2013 - Copyleft

Marco Aurélio Weissheimer

Porto Alegre - A militância política de Raul Pont iniciou há cerca de 50 na luta contra a ditadura civil-militar implantada no Brasil a partir do golpe de 1964 que derrubou o governo de João Goulart. De lá para cá, dedicou sua vida à política, pela esquerda. Fundador do PT, deputado estadual, deputado federal, prefeito de Porto Alegre e candidato à presidência nacional do partido em 2005, Pont anunciou na última semana que não pretende concorrer na eleição de 2014 (é deputado estadual no Rio Grande do Sul) e que vai centrar sua atividade política fora do parlamento. 

Em entrevista à Carta Maior, Raul Pont fala sobre as razões de sua decisão, critica o atual modelo eleitoral do país (“está podre”) e a crescente influência do poder econômico na vida política brasileira, inclusive no PT.

“Para mim, a militância parlamentar é uma militância como qualquer outra. Não faço carreira disso. A maior parte da minha vida política ocorreu fora do parlamento”, diz o dirigente petista que pretende dedicar parte de sua atividade política agora a convencer filiados e militantes do PT que é preciso combater a influência do poder econômico dentro do partido e as práticas que ela engendra, como o inchaço do Colégio Eleitoral no Processo de Eleições Diretas (PED) deste ano. O Diretório Nacional revogou, por maioria, regras que haviam sido aprovadas no último Congresso do partido estabelecendo critérios mais rígidos para a participação de filiados nas eleições internas.

“A atual direção do partido defendeu que não poderíamos baixar o número de votantes (em relação ao último PED) pois passaria uma imagem negativa para fora. Esse foi o argumento apresentado no Diretório Nacional que, por maioria, começou a afrouxar as regras. Nos últimos dias, há uma verdadeira explosão do quórum do colégio eleitoral (...) Eu prefiro mostrar para fora um partido real, com regras claras e bem definidas, do que um partido do inchaço. E agora estamos diante de um novo inchaço que vai deslegitimar o processo eleitoral”, critica Pont, advertindo:

“Ou nós conseguimos convencer um grande número de militantes que esse tipo de prática é um câncer dentro do partido, ou o partido vai morrer canceroso e nós vamos ter que construir outro e começar de novo”.

Carta Maior: Como se deu e quais são as razões de sua decisão de não concorrer à reeleição em 2014?

Raul Pont: É uma decisão pessoal que, evidentemente, ainda pode estar subordinada a um debate político no partido ou na minha própria corrente [a Democracia Socialista]. Mas a minha disposição pessoal é de não concorrer. É claro que não há um único motivo ou uma única razão para isso. O primeiro deles tem a ver com o sistema eleitoral que nós temos. Eu não estou descobrindo agora que esse sistema não é bom ou que acho ele antidemocrático. Eu luto e brigo contra isso há décadas. A primeira coisa que fiz quando fui deputado federal foi tentar levar adiante uma emenda constitucional que buscava estabelecer um mínimo de igualdade e identidade na representação proporcional dos estados. Não consegui apoio nem nas grandes dos partidos de centro e de direita de São Paulo, que é o maior prejudicado no modelo atual. Voltei para o Rio Grande do Sul e o projeto foi arquivado.

Naquele momento, a questão do poder econômico não estava tão acentuada e as nossas campanhas no PT ainda não estavam dominadas por essa lógica dos demais partidos. Ainda eram candidaturas muito coletivas. De lá para cá, e principalmente nas últimas eleições, a partir de 1998 e 2002, com a eleição de Lula, onde nós batemos no teto na representação federal, nós só patinamos. 

Mesmo com o partido crescendo, mesmo possuindo mais deputados estaduais, mais diretórios, mais filiados e militantes, com governos federais a favor, o tamanho da bancada federal parou de crescer. Ao contrário, estamos diminuindo o número de nossos deputados federais, ainda que se eleja o presidente da República três vezes seguidas, e a influência do poder econômico só vem se exacerbando.

Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara Federal mostra que, na eleição de 2010, 370 deputados foram eleitos combinando a condição de candidaturas mais caras (entre as 513 candidaturas mais caras do país). E isso tende a continuar. O valor das contribuições empresariais dobra ou mais do que dobra a cada eleição, chegando a quase 5 bilhões de reais na última campanha. Isso do que foi declarado. Houve muita triangulação dentro dos partidos e o que corre sem declaração é incalculável. Assim, trabalhando só com os dados do Tribunal Superior Eleitoral, temos, na última eleição, quase 5 de bilhões de reais doados por pessoas jurídicas para candidatos. E são doações para candidatos, não para os partidos. Os candidatos são escolhidos a dedo por essas empresas, em todos os partidos, inclusive o nosso. O número de empresas dispostas a financiar candidaturas dentro do PT cresce de maneira assustadora.

Eu nunca me elegi desse jeito. Nunca pedi dinheiro para empresa, banco ou latifundiário. A eleição hoje está cada vez mais difícil. Esse é um dos motivos pelos quais decidi não concorrer no ano que vem. É um protesto mínimo e uma espécie de denúncia de que esse sistema está podre e dominado pelo poder econômico, e o será cada vez mais.

Carta Maior: E quais seriam os outros motivos?

Raul Pont: Para mim, a militância parlamentar é uma militância como qualquer outra. Não faço carreira disso. A maior parte da minha vida política ocorreu fora do parlamento. Comecei a militar 50 anos atrás e não tinha a mínima ideia ou pretensão de ter algum cargo. Militava no movimento estudantil, no Sindicato dos Bancários. Em 1964, eu era bancário e comecei a estudar História na UFRGS. A minha militância começou efetivamente na resistência ao golpe militar em março de 64. De lá para cá eu não parei e na maior parte da minha militância não precisei de mandato, atuando até em condições muito mais adversas que a atual. Então, para mim o parlamento não é o único espaço de atuação. Há o partido, sindicatos, entidades sociais, o trabalho que posso fazer como professor universitário na área de ciência política. Posso contribuir também com a formação política dentro do partido.

Tenho 50 anos de militância. Vou completar 70 anos de idade no ano que vem. É claro que isso cansa e a minha vitalidade não é a mesma dos meus tempos de estudante e de jogador de basquete. Acho que o partido precisa se renovar e abrir espaço para novos quadros. Votei a favor do limite de mandatos no último Congresso do PT (que aprovou um limite de três mandatos). Acho que é um bom exemplo sinalizar para a juventude, para outros companheiros e companheiras que estão com mais vitalidade, mais pique, e que respondem também a uma nova conjuntura. Depois de 30, 40 anos, a vida de um partido político, principalmente num caso como o do PT que teve um crescimento muito rápido, tende a uma certa burocratização, à consolidação de funções e cargos de direção e representação parlamentar, que vai acomodando as pessoas. Temos que ter regras e práticas como o direito de tendência, o limite de mandatos ou a quota de 50% de gênero nas direções partidárias (também adotada pelo PT no seu último Congresso) para evitar que isso ocorra.

Se tem algum partido hoje no Brasil preparado para não fossilizar esse partido é o PT. Ele tem um processo muito dinâmico. Agora mesmo, no dia 10 de novembro, nós vamos eleger todas as nossas direções - municipais, estaduais e nacional – pelo voto direto dos filiados. As correntes do PT são dinâmicas, compõem maiorias e minorias. Quem é minoria está brigando para ser maioria, etc. Isso dá um dinamismo muito superior às experiências que a esquerda teve na Europa e na própria União Soviética, onde os aparatos partidários fossilizaram e se transformaram em burocracias vinculadas ao Estado. Penso que a grande contribuição que o PT traz para a teoria partidária no Brasil é a introdução de novas regras internas como a garantia de uma quota de 50% de gênero nas direções partidárias. Só isso já vai ser uma mudança muito grande nas direções do PT.

Mas não conseguimos ainda fazer uma reforma política e o que dá o tom do sistema hoje é a regra do jogo. O predomínio do poder econômico, o sistema de voto nominal que fortalece o indivíduo, enfraquece o partido e liquida com a ideia de identidade de programa, de projeto, torna o candidato cada vez menos um candidato do partido e mais um candidato da empresa ou do grupo econômico que o financiou. Ele passa a ser um lobista daquele grupo econômico e não mais um sujeito comprometido com a base que o elegeu. 

Hoje temos a bancada ruralista, a bancada do setor financeiro, a bancada identificada com os interesses automobilísticos, a bancada dos agrotóxicos, das igrejas evangélicas, sem que alguém tenha votado para isso. As pessoas votaram em indivíduos que, teoricamente, se apresentaram como sendo de um partido. Esse sistema está falido, quebrado e é cada vez mais antidemocrático e corruptor.

Como até agora não conseguimos mudá-lo, vamos ter que continuar tentando. E eu não pretendo continuar lutando aqui dentro (da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul). Vou lutar lá fora. Vou continuar escrevendo sobre isso, denunciando essas práticas, ajudando a organizar as pessoas em favor de outro modelo de política. Acho uma tarefa importante que pretendo continuar cumprindo por toda a vida. Não estou saindo da política, estou saindo do parlamento, de uma representação parlamentar.

Carta Maior: Esse aumento do poder econômico no sistema político e dentro dos partidos parece que só vem crescendo nas últimas eleições. Quando a gente acha que a situação não pode piorar ela piora um pouco mais, como aconteceu essa semana com a aprovação da PEC do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a pagar todas as emendas individuais dos parlamentares ao orçamento da União, até o valor de R$ 10 milhões por deputado e senador.

Raul Pont: Exatamente. Há algumas coincidências que são impressionantes. O mesmo Congresso que não consegue votar o fim da guerra fiscal, um mínimo de reforma tributária para o país, a reforma política e eleitoral, um imposto sobre as grandes fortunas, coisas que todos dizem serem justas e necessárias, no meio dessa crise toda, 376 deputados, com toda a facilidade e rapidez, aprovam uma proposta de clientelismo impositivo. 

As emendas parlamentares, por si só, já são uma excrescência da política, um clientelismo escancarado, a antessala da corrupção. Todo mundo que já passou por uma prefeitura sabe disso. De certa forma, é a legalização da corrupção e do clientelismo. Com exceção do PT que, para meu desgosto e contrariedade, liberou o voto, todos os demais partidos, inclusive os ditos esquerdistas do PSOL, votaram favoravelmente. Esses partidos orientaram o voto ‘sim’ nos dois turnos. Como o PT não fechou questão, ao menos os deputados que integram a Mensagem ao Partido e alguns outros votaram contra (outros 40 deputados do PT votaram a favor). 

Mas a nossa bancada deveria ter fechado questão. Aqui expresso uma contrariedade, não com o sistema eleitoral, mas com atual executiva nacional do partido Eu sou parte da direção, mas sou minoria dentro do Diretório desde a fundação do partido. Como é que essa direção coordenada pelo Rui Falcão, que é o presidente do partido, sequer estabelece uma orientação para a bancada. Pode até perder. Mas se você não orienta, não diz que determinada política está errada, fica difícil. Ninguém defende que essa PEC é uma política correta e republicana. Se todos os partidos orientam o voto ‘sim’ e o nosso libera o voto, nem o nosso partido se distingue. Nós nos diluímos no oportunismo, na submissão, na cumplicidade com práticas que ninguém consegue defender abertamente.

Como é que você quer que o eleitor, olhando para isso, vá confiar nos partidos políticos. Nós estamos afundando um processo de representação democrática duramente alcançado, que não é nenhum paraíso, mas que é superior às ditaduras e a muitas democracias já completamente dominadas pelo poder econômico como é o caso dos Estados Unidos. Essa lógica é mortal para o sistema democrático e só favorece o autoritarismo e saídas fascistas. 

Os conceitos estão completamente confusos. Este ano vimos pessoas na rua gritando coisas como “ninguém nos representa”. Mas quem representa então? Existe outro partido em gestação que vai representá-los? O sistema é todo igual? Os partidos são todos iguais? Vamos criar a cada luta, a cada greve um novo partido que representa essa luta específica? Não. Há um acúmulo necessário para isso, um processo de identificação que nem sempre pode ser de cem por cento. Acho que o descrédito que está se criando hoje no Brasil é perigosíssimo, pois ele conduz às famosas saídas messiânicas de algum militar de plantão ou de algum populista autoritário querendo impor uma nova ordem. 

Nós já vivemos isso. Como eu tenho 50 anos de experiência nas costas, sei bem como são essas coisas. Seria um desastre para nós um retrocesso desse tipo. Por isso eu quero lutar para ter partidos que controlem e punam os eleitos quando for o caso, para que os eleitos tenham fidelidade partidária, que sejam subordinados ao partido para votar as resoluções nas assembleias e nas câmaras. É essa noção de partido que precisamos fortalecer para termos uma democracia confiável com um mínimo de legitimidade. E nós estamos indo no caminho oposto. Já vimos outras vezes como, em momentos como este, sempre aparece um Castelo Branco, um Jânio Quadros, a figura salvadora da humanidade que, de maneira autoritária, resolve tudo.

Carta Maior: Na sua avaliação, essas preocupações estão presentes nos debates do Processo de Eleições Diretas, pelo qual o PT renovará, pelo voto dos filiados, todas as suas direções agora em novembro?

Raul Pont: O problema é que esses vícios do poder econômico vão para dentro do partido. O nosso estatuto e o nosso código de ética proíbem tais coisas. O artigo 14 do Código de Ética, por exemplo, diz que o que foi feito na votação da PEC que tornou as emendas parlamentares impositivas é proibido no PT. Os deputados que votaram a favor dessa medida, que é flagrantemente clientelista e contrária a critérios republicanos e democráticos no gasto público, tinham que ser punidos, suspensos. Praticamente a metade da bancada teria que ser suspensa. Ou essas pessoas são enquadradas ou então que se rasgue o código de ética.

Nós estamos em plena disputa interna no PT. O quarto congresso do partido, talvez sensível a esse quadro das ruas que já se expressava no ano passado, aprovou regras e normas bastante rígidas para esse Processo de Eleições Diretas que vivemos agora. Essas regras fariam com que o tamanho do colégio eleitoral apto a votar caísse drasticamente. Dos 1,7 milhão de filiados, que o PT tem hoje aproximadamente, votaria um número muito menor. A maioria desses filiados não paga as contribuições mensais. Há inclusive dirigentes partidários, cargos de confiança e parlamentares que não estão com as contribuições em dia. Se a regra aprovada no congresso fosse para valer, teríamos algumas dezenas de milhares de filiados aptos a votar neste PED (no último PED votaram cerca de 500 mil filiados).

Diante desse cenário, a atual direção do partido defendeu que não poderíamos baixar o número de votantes pois passaria uma imagem negativa para fora. Esse foi o argumento apresentado no Diretório Nacional que, por maioria, começou a afrouxar as regras. Nos últimos dias, há uma verdadeira explosão do quórum do colégio eleitoral, um crescimento exponencial do número de eleitores, com evidente incidência do poder econômico, colocando em dia as contribuições de filiados. Há filiados pagando por outros, filiados que descobrem que alguém já pagou a sua contribuição e que eles vão poder votar. Só que esse alguém que pagou vai dizer em quem eles devem votar. 

Nós discutimos essa questão e fomos derrotados no Diretório. Foi muito conflitivo pois, para nós, o Congresso é uma instância superior ao Diretório e, portanto, este não poderia revogar uma regra aprovada no primeiro. Mas o Diretório, por maioria, acabou mudando as regras, alegando razões de prestígio externo do partido.

Eu prefiro mostrar para fora um partido real, com regras claras e bem definidas, do que um partido do inchaço. E agora estamos diante de um novo inchaço que vai deslegitimar o processo eleitoral. De novo, também no PT, ganha quem compra mais votos. Essa é, infelizmente, a dura realidade que estamos vivendo. É impossível, a cada ano, a gente começar de novo, um novo partido, uma nova sigla. Precisamos travar uma luta interna, pois nestes 33 anos de vida do PT nós construímos uma experiência riquíssima e muito forte. Estamos ultrapassando a casa dos 1,7 milhões de filiados e tenho a certeza de que a maioria dessas pessoas não concorda com esse tipo de método. 

Temos aí, portanto, um espaço de trabalho político, de disputa e de convencimento. Mas esse processo de inchaço do colégio eleitoral não deixa de ser um elemento corruptor também. Se isso virar uma prática permanente dentro do partido, que não possa ser revertida no Congresso ou no Diretório do partido, nós vamos ter que pensar outras formas de organização, começar de novo, com todos os problemas que isso implica.

Eu disse há alguns dias numa entrevista que os partidos não têm prazo de validade e também não há nenhum desígnio dos céus dizendo que vai durar 20, 30 ou 100 anos. É a prática social, a identidade dessa luta com a vida, com a realidade, que determina essas coisas. Não sou profeta, não sei bem o que vai acontecer no próximo período. Pela experiência acumulada, a gente sabe que tem coisas que não dão certo. Algumas coisas eu tenho certeza que não darão certo. Mas não sei se teremos capacidade de nos contrapormos a essas práticas. Pode ser que sim, pode ser que não. Acho que neste momento a gente precisa brigar com as regras do jogo que estão na mesa e tentar convencer o maior número possível de militantes de que não podemos abandonar princípios éticos e morais na política. O preço que nos é cobrado depois é muito maior. Ou a política tem outro padrão que não o da força ou das regras do esquecimento, ou nunca vamos conseguir formar cidadãos plenos, com capacidade de discernimento e capazes de construir alternativas melhores.

Ou nós conseguimos convencer um grande número de militantes que esse tipo de prática é um câncer dentro do partido, ou o partido vai morrer canceroso e nós vamos ter que construir outro e começar de novo. Essa é a minha opinião.


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12/04/2014 - Copyleft

Pimenta é só para os olhos dos outros

O candidato do PSDB ao Governo de Minas, Pimenta da Veiga, escolhido a dedo por Aécio Neves, foi indiciado pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro.

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA



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