Síndrome de avestruz
por Fernando Soares Campos
No primeiro ano escolar, apaixonados, escrevemos a primeira poesia. Inicialmente apenas a professora aplaudiu. Bom, as menininhas que estariam apaixonadas por nós pensaram que elas teriam sido as nossas musas e também aplaudiram. Mas isso não conta, pois a verdadeira musa aplaudiu primeiro. Outros aplausos aconteceram em casa; porém só papai e mamãe castigaram as palmas das mãos, timidamente, para nos incentivar. A reação dos nossos irmãozinhos foi apenas o eco das chacotas dos coleguinhas no recreio da escola..
Na pré-adolescência demos muito prejuízo ao papai e à mamãe, além de contribuirmos para a desertificação do Planeta, gastando papel, que, para ser produzido, exigiu a derrubada de inúmeras árvores. Nele escrevemos, os amassamos e jogamos na lixeira. Deve ter sido a nossa primeira atitude-semancol.
No jornalzinho do colégio, nos projetamos em cópias mimeografadas através do pensamento brechtiano, e os colegas aplaudiram Bertold Brecht usando a gente como tabela. E nós nos sentimos aplaudidos, fazendo de Brecht a nossa tabela.
Entre a adolescência e a juventude adulta, rimos da nossa própria incipiência no passado, exibindo a nossa incipiência moderna, atualizada.
Na meia-idade nos tornamos gênios de nós mesmos, conseguimos compreender as esquisitices do passado e dissimulamos nossas novas esquisitices, que agora se chamam excentricidades.
Na idade provecta fazemos de tudo, se possível até arranjamos uma síndrome de avestruz, também conhecida como mal de Alzheimer, a fim de que não nos encham o saco, nos fazendo lembrar o quanto foi inútil tudo aquilo que dissemos ou tentamos dizer
Fernando Soares Campos é escritor, autor, em parceria com o seu irmão Sérgio Soares de Campos, de obra biográfica, retratando a vida de “Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejo”; atualmente, aos 74 anos, cursando Psicanálise Clínica via modalidade EaD em ambiente virtual, pelo - IBPC - Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica - Campinas (SP).
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