sábado, 23 de junho de 2007

Jorge de Tereza

Jorge viu Tereza, sua mulher, de papo com o Francis. Arrepiou-se só de pensar no que os dois estavam conversando. Fez menção de ir até lá e defender sua propriedade. Todo mundo sabia que o Francis era o mais competente conquistador do bairro... Da cidade?! Sim, talvez da cidade. Acho que, se alguém dissesse “do país”, ninguém duvidaria, pois corria de bocas a ouvidos e bocas que ele já havia conquistado noventa e nove por cento das mulheres casadas da vizinhança.

Jorge tremia, não sabia o que fazer. Preferiu esperar mais um pouco. Felizmente o encontro foi rápido, e Jorge tranqüilizou-se quando viu a sua mulher apontar para certa direção, como se estivesse informando um endereço, os dois se despedirem e cada um seguir em sentidos opostos. Mesmo assim, quando chegou em casa, cobrou uma explicação:

— O que o Francis queria com você?!

— Quem?!

— O Francis, ora!

— Quem é esse Francis?!

O marido logo imaginou que a mulher estava querendo despistar. “Está escondendo o jogo”. Apertou:

— Vai dizer que não conhece aquele com quem estava de papo ali na pracinha, hein?!

— De papo na pracinha?! Escute aqui: você está me ofendendo! Eu não sou mulher de dar papo a qualquer um na pracinha, ou em qualquer outro lugar! Exijo que você me peça desculpas!

Diante da aparente indignação da mulher, Jorge entregou os pontos.

— Esta bem, desculpe, eu me enganei, era uma mulher parecida com o Francis...

— O quê?!

— Quer dizer... era outro Francis... com outra mulher... Não, não! Era outra mulher com o Francis. Pronto.

— Ah, sim! Mas, da próxima vez, vê se enxerga melhor as coisas.

Outro dia, no bar da esquina, Jorge batia papo com Orlando, uma das vítimas do Francis. Todo mundo sabia que a mulher do Orlando dava mole não só pro Francis. Jorge mandou descer umas dez rodadas de chope e, quando se certificou de que o amigo estava alto, decidiu perguntar, na lata:

— Orlando, num me leve a mal, mas é verdade que o tal do Francis... (engasgou) é... bem... dizem que ele... (pigarreou)

— Já sei, você quer saber se ele come a Rosa, é isso?

— Não! Eu jamais insinuaria uma coisa dessas! Como pode imaginar que eu podia pensar um troço desses?!

— Pensei que você sabia...

— Bom, saber, saber, eu não sei não, mas que falam por aí, falam... né?

— Então, você quer saber se é verdade...

— Longe de mim! A gente sabe que essa gente é linguaruda e inventa histórias.

— Mas essa é verdade sim. Nesse caso, ninguém tá inventando nada não.

— Hein?!

— É o que você ouviu. É tudo verdade, o Francis come a Rosa sim.

— Peralá! Você fala isso numa boa, tranqüilão! Você não faz nada pra se vingar? Não lava sua honra?!

— Claro que faço.

— Faz?!

— Claro!

— O quê?

— Como a mulher dele.

— Não acredito! Devo estar sonhando!

— É sempre ela quem lava minha “honra” — Orlando dá uma gargalhada; cai o queixo do Jorge.

Naquele exato momento, passa um mulherão em frente ao bar. Ela acena e sorri para Orlando. Jorge quer saber:

— Quem é essa?

— Não conhece?

— Acho que já vi esse avião passando por aqui, mas não conheço não.

— Só você mesmo, Jorge! Porra, como você é desligado, cara! Essa é Carmélia, a mulher do Francis.

Jorge levantou-se, foi até a porta do bar e apreciou a gostosona que já ia dobrando a esquina. Voltou, sentou-se e continuou o papo:

— Alguém mais, fora você e o Francis, come aquela criatura divina?!

— O Mário da Célia, o Reinaldo da Angélica, o Geraldo da Lourdes, o Zé da Vilma, o Marcos da Beatriz, o Carlos da Marilda...

— Não acredito! Quer dizer que aquela maravilha dá pra qualquer um?!

— Epa! Eu não sou qualquer um...

— Desculpe, eu não quis dizer isso. É que você citou tanta gente... que eu...

— Parece que só você, Jorge, tá por fora do que acontece no bairro.

— Então me bota por dentro, amigão! — Jorge demonstrou inquietante interesse.

— A Carmélia só dá pro marido da mulher que o Francis comer. É a sua vingança. A nossa vingança. Dela e de todos os maridos que o Francis corneia por aí.

— Não!

— Sim!

— Quer dizer que esse bairro é um bairro de cornos?

— Pelo que sei, só você está fora do bloco dos cornos. É uma desonrosa exceção.

— Desonrosa?! Ora, seu corno conformado!, vá encher o saco de outro!

Jorge levantou-se, pagou a despesa e saiu resmungando. Quando dobrou a esquina, viu a bela mulher do Francis entrando no carro do Argemiro da Leda. “Pouca vergonha!”.

No sábado à noite a mulher de Jorge aprontou a mesa para receber um convidado pro jantar. A campainha tocou, Jorge atendeu, fez o convidado entrar e, animado, apresentou o amigo à mulher:

— Tereza, esse é o Francis, o amigo de quem lhe falei. O Francis mora aqui perto, a gente costuma bater uma pelada de vez em quando...

— Prazer — diz Tereza sem nem mesmo estender a mão para cumprimentá-lo.

Jorge parece nervoso, indica uma poltrona para o amigo, fala à toa, diz qualquer coisa, até que, fingindo surpresa, informa:

— Ih, esqueci de comprar os cigarros!

— Desde quando você está fumando?! — perguntou Tereza.

— Não é pra mim, querida, é pro Francis. Eu prometi a ele um maço de cigarro da Polinésia.

— Cigarros da Polinésia?! — a mulher do Jorge não entendeu patavina.

— Deixa pra lá, Jorge, eu trouxe um maço de minha marca preferida.

— Nada disso, Francis, promessa é promessa! Vou buscar o maço de cigarros da Polinésia. A essa hora a tabacaria em Nova Iguaçu ainda está aberta.

— Nova Iguaçu, querido?! Mas Nova Iguaçu fica muito distante!

Lá da porta Jorge ainda gritou:

— Se eu demorar, não se preocupem comigo — saiu sem ouvir os protestos da mulher.

Às quatro da manhã o telefone chamou. A mulher do Jorge atendeu:

— Alô! (Snif...).

— Querida, me desculpe, o carro enguiçou, a bateria do celular estava descarregada, só agora cheguei a uma oficina...

— (Snif...) Volte logo, amor (Snif...).

— O que está havendo? Você está chorando? O Francis ainda está aí?

— Nem me fale nesse salafrário! (Snif...) Foi só você sair, e ele me deu uma cantada... (Snif...)

— Cantada?! E você o que fez?!

— O que fiz?! Você ainda pergunta o que fiz? Está duvidando de mim?! (Snif...)

— Longe disso, amor! Só queria saber a sua reação...

— Rachei a cabeça daquele safado com um cabo de vassoura (Snif...). Ele ainda está aqui sim, mas estirado no meio da sala. Volte logo, amor, venha tirar esse defunto sem vergonha daqui (Snif...).

Jorge desligou o celular e, de dentro do carro, em frente à casa do Francis, ainda viu Carmélia despedindo-se, aos beijos, do Leonardo, solteiro.

— O filho da puta do Osvaldo da Rosa me paga!

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Um comentário:

Anônimo disse...

A dor de corno é com outro corno que a gente cura....
Mas nem sempre a fome pode ser saciada. rsrsrs