Cenas do capítulo anterior:
Narciso encontra-se com Eco e, através do reflexo de sua imagem nos olhos arregalados da ninfa, descobriu que ele é deslumbrantemente belo. Porém tudo indica que Narciso tinha medo de aranha, pois bastou ela levantar a saia, e ele disparou bosque adentro, fugindo da repetitiva Eco e gritando:
— Não me comprometa!
— ...meta! ...meta! ...meta! — repetia a ninfa, tentando alcançá-lo, com a saia levantada.
— Dos deuses, sou um enviado!
— ...viado! ...viado! ...viado! — subitamente Eco estancou.
Finalmente entendeu que estava perdendo seu tempo. Envergonhada por ter sido esnobada, Eco perdeu o apetite e definhou.
Aconselhada por Diana, Eco resolveu que seria modelo nas passarelas do Olimpo. Então, para atingir o padrão exigido, parou de comer. Emagreceu, emagreceu, emagreceu... até que sobrou apenas as partes mais sólidas. Eco transformou-se numa rocha. Mas não perdeu o hábito de repetir o final dos sons que ouvia. As rochas vizinhas gostaram da brincadeira e passaram a fazer o mesmo. A moda se espalhou pelos Pirineus, Himalaia, Andes, até chegar à garagem aqui do condomínio onde moro.
Narciso resolveu morar no bosque, onde os demais habitantes lhe pareciam horríveis e, portanto, realçariam sua beleza, destacando-o de tudo e de todos. Nisso se inspirou Caetano, que disse: "É que Narciso acha feio o que não é espelho", e trocou Salvador por Sampa, onde sua feiúra se confundiria com a "feia fumaça que sobe apagando as estrelas".
Em noites de tempestade, Narciso vagava pelos campos, cantando e dançando na chuva, pois os clarões dos relâmpagos sugeriam flashs das câmeras fotográficas de centenas de paparazzi em busca de flagrantes de sua vida noturna. E os trovões equivaliam ao que hoje chamam de thecno music, mesmo considerando que os ribombos da natureza soam bem mais harmoniosos.
Numa dessas noites, Narciso encontrou-se com Dionísio, que era vendedor de vinho da adega de seu pai, Zeus (na Grécia é comum as pessoas sofrerem de "língua presa", daí chamarem "Deus" de "Zeus"). Então, Dionísio (Zionísio, para os gregos) fez Narciso experimentar uma garrafa de cada safra, desde as produções mais antigas até as preciosidades que hoje só se encontram em Ciudad del Este, no Paraguai. Narciso tomou um porre e, como se dizia naquela época, entrou em ékstasis, ou, como ainda hoje se diz por lá, ficou ekstatikós.
Quando o dia amanheceu, Narciso ainda estava meio chapado; o fígado bombardeado lhe provocava uma homérica dor de cabeça e uma sede odisséica. Narciso saiu correndo pelos campos, suplicando:
— Água! Água! Água...
O boquisseco Narciso avistou uma lagoa; porém, quando se aproximou, eis que, estupefato (ou, como escreveriam os portugueses, estupefacto), viu sua própria imagem refletida nas águas cristalinas. Entretanto, contrariando a versão tradicional, Narciso não imaginou que estava vendo a si próprio: pensou que aquele lá fosse Dionísio, o jovem vendedor de vinho, com quem bebera, dançara, comera e por quem fora comido a noite toda.
Narciso imaginou que seu mitológico companheiro também viera afogar a ressaca e teria aproveitado para dar uma refrescada. Apaixonado pelo filho de Zeus, Narciso, num salto olímpico, atirou-se em seus braços, esquecendo-se de tudo e de todos, inclusive de que não sabia nadar.
Moral mitológica lógica: Se Narciso apaixonou-se por Dionísio, hoje a estátua do deus do vinho está aí mesmo para provar que tamanho não é documento.
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quarta-feira, 13 de junho de 2007
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2 comentários:
SIM.
MUITO BOM E OTIMO PARA GARGALHAR!
SIM.
MUITO BOM E OTIMO PARA GARGALHAR!
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