sexta-feira, 1 de junho de 2007

Nelson Sargento explica

por Fernando Soares Campos


Pau Grande é um distrito do município de Magé, na Baixada Fluminense. Foi lá que nasceu Manoel Francisco dos Santos, que pouca gente sabe quem é, mas que qualquer pessoa logo identifica se alguém explicar que se trata de Mané Garrincha, o cara que, com a magia dos seus dribles, fazia o adversário cair de quatro. Porém, nessa posição, ele preferia o mulherio que o assediava. Dizem que nem tanto por defender brilhantemente o Botafogo e a seleção brasileira, mas exatamente por ser de Pau Grande.

No lugarejo, os moradores que não trabalham nas repartições públicas dos municípios da Baixada Fluminense labutam nos camelódromos da região, ou chacoalhando nos trens da Leopoldina. Entretanto poucos dos que estão na ativa se aventuram a entrar no Bar Nostalgia, pois o estabelecimento funciona praticamente como um clube privado de aposentados. O boteco, como quase todos da região, mantém um aparelho de televisão permanentemente ligado, no qual a clientela só assiste a partidas de futebol e telejornais.

Na última segunda-feira, pela primeira vez o noticiário das oito parecia ter mais importância que o dominó. A principal notícia daquela noite gerou intensa discussão entre os freqüentadores do bar. Dioclécio, de apenas 62 anos (o mais novo entre eles), tinha uma tese sobre a implicação do senador Canalheiros com a jornalista Mímica Vellaska. Para ele tudo tem explicação e, mais cedo ou mais tarde, o misterioso caso será esclarecido.

Seu Altino, 79, o mais velho entre os aposentados freqüentadores do Nostalgia, ex-locutor da emissora de rádio mais famosa da Baixada, garantia que tudo aquilo não passa de enganação:

— Eu não acredito numa só palavra desse cara!

— Nem eu, Altino, nem eu! Pra mim é tudo mutreta! — falou Maneco — Esse cara tá escondendo o jogo. Pensa aí: ele só ganha doze paus como senador. Confere?

— É o que dizem, Maneco, é o que dizem! Mas a gente sabe que, em cima disso, tem os extras, os tais jetons, e até outros benefícios. No final das contas o sujeito leva pra lá de trinta milhas — disse Dioclécio. — Mesmo assim eu não acredito em nada do que ele diz...

Otávio, que acabara de chegar, ouviu o final da discussão e quis saber:

— Então vocês acham que o senador Canalheiros não vai provar que a grana que ele mandava pra conta da jornalista Mímica Vellaska saía de sua própria conta. É isso? Todos se entreolharam, olharam para o recém-chegado e em seguida para Seu Altino, como se o elegessem para responder a Otávio.

— Otávio... Sem trocadilho! Sem trocadilho! rum-rum...— pigarreou Altino. — Provar que o dinheiro saiu de sua conta é o de menos. Isso é mole, cara! Isso é moleza!

— Mas... o que mais ele tem que provar?!

— Nada! O senador Canalheiros não tem que provar nada.

— Então, por que essa discussão toda?

— Você já viu a Mímica Vellaska?

— Sim, já.

— E o que você achou dela?

— É um mulherão!

— Mulherão?! É só isso que você tem a dizer daquela coisa toda?! É divina, cara! Divina! Você acha justo aquele camarada, com jeitão de boneco de gesso, faturar uma mulher daquelas?!

— E daí?! Todo mundo aqui conheceu Mané Garrincha. A gente sabe que ele faturava muita mulher bonita. Isso quando estava no auge da carreira, claro!

— Tudo bem, todo mundo aqui sabe disso de cor e salteado.

— E a gente também sabe que Mané Garrincha não era lá o que se pode chamar de bonitão...

Muitos concordaram:

— Garrincha não era bonitão, é verdade...

— Bom, isso é verdade. Garrincha não era nenhum galã...

O velho Altamiro, encostado no balcão, tomou o rabo-de-galo de um só gole e entrou na conversa:

— Peralá! Garrincha não era o tipo galã de novela! Mas Garrincha era de Pau Grande!

— É isso aí, Altamiro! É isso aí! Garrincha era de Pau Grande e não dava mole! — concordou Dioclécio.

Honório, dono do Bar Nostalgia, pegou o controle remoto, apontou-o para o aparelho de TV e clicou em desligar. Fez-se um tremendo silêncio no boteco. Usando o pano que sempre trazia pendurado no ombro, Honório limpou a tampa de uma velha vitrola e abriu o trambolho eletrônico. Escolheu um disco de Nelson Sargento, passou o pano nos dois lados, ajeitou os velhos óculos, franziu a testa, aguçou a vista e leu o repertório. Colocou o disco na vitrola e abriu o volume. O boteco se encheu com os acordes do violão de Nelson Sargento. Em seguida toda Pau Grande estava ouvindo a faixa "Falso amor sincero":

O nosso amor é tão bonito
Ela finge que me ama
E eu finjo que acredito
O nosso falso amor é tão sincero
Isso me faz bem feliz
Ela faz tudo que eu quero
Eu faço tudo o que ela diz
Aqueles que se amam de verdade
Invejam a nossa felicidade

Os fregueses do Bar Nostalgia ouviam em silêncio. Todos se lembravam de Mané Garrincha, que, como todo mundo sabe, era de Pau Grande!.

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2 comentários:

TJato disse...

FERNANDO,
parabéns pela crônica !

Parabéns pelo blog ! !

E parabéns pela menção ao craque indisciplinado, meu ídolo, MANÉ GARRINCHA ! ! !

Garrincha [uma só partida], e Nilton Santos [dois ou três meses] jogaram pelo 13 de Campina Grande-PB, o maior e melhor time de futebol do interior do Nordeste brasileiro.

Era um tempo em que não havia seguridade social para atletas. Depois dos 30 anos, descendo a ladeira, os caras jogavam em times do que hoje chamamos 2a. e 3a. divisões, à cata de alguns trocados.

Abração,
João

Anônimo disse...

OI Fernando
adorei a crônica
sobre o Nelson Sargento que explica o Mané Garrincha de Pau Grande e o caso do Renan com a jornalista...novela mexicano-alagoana ou será nelsonrodriguiana?
parabéns
Cida Torneros