FDP, “Justiça delivery”
Fernando
Soares Campos
O
julgamento da Ação Penal 470, o mensalão petista, além da aplicação da tese
“domínio do fato”, inaugurou, na mídia, a prática do “Fato para Domínio Público”
(FDP).
A
coisa consiste na seguinte armação: os barões do café-soçaite midiático e seus
tentáculos (instituições e indivíduos a serviço do golpe de estado) produzem
uma notícia sobre fato que revele eficiente diligência policial ou exemplo de
austeridade de órgãos públicos, alguma ação cujo desfecho possa satisfazer os
anseios dos leitores e telespectadores, provocando-lhes efeitos catárticos ou gerando
expectativa de justiçamento, preferencialmente sob princípios draconianos, Lei
de Talião: olho por olho, dente por dente.
Os
marqueteiros que fazem a vez de redatores e editores dos conglomerados
midiáticos agigantam e espetacularizam um fato corriqueiro qualquer, cujo
“final feliz” será a condenação de personagens tipo boi-de-piranha ou bode
expiatório.
Estaria
aí plantado o FDP (essa prática também pode ser chamada de “justiça delivery”,
justiçamento produzido para pronta entrega).
Em
seguida, empreendem campanha em favor da aplicação da mesma medida, com todo o
rigor possível, contra os petistas condenados no julgamento do mensalão.
Analisemos
alguns dos mais recentes maus exemplos.
Caso Donadon
Natan
Donadon, um infeliz lá dos cafundós do Paraná, passou a assessorar os irmãos,
colonos radicados no Estado de Rondônia e que ali se tornaram políticos. O
primeiro cargo lhe foi dado pelo irmão Melkisedeque Donadon, eleito prefeito de
Colorado do Oeste (RO), em 1992, o qual o nomeou secretário municipal de
Finanças. Em 1995, outro irmão seu foi eleito deputado estadual e, reconhecendo
que o Natanzinho tinha o dom de fazer a coisa certa, e já contava com razoável
experiência no ramo (?), plantou o mano na Diretoria Financeira da Assembleia
Legislativa de Rondônia.
Entre
1995 e 1998, Donadon desviou uns 8 milhões de reais, através de contratos
fajutos (o que se conseguiu provar), crime cometido por um “cidadão” comum,
delito que, no âmbito da corrupção nos meios políticos, equivale à ação de um ladrão
de galinha. Donadon deve ter metido a mão em muito mais, pois, a partir de
2005, desembarcou em Brasília com diploma de deputado federal, inicialmente
como suplente efetivado, depois reeleito (2006 e 2010).
Em
2010, o julgamento do mensalão foi utilizado pela mídia golpista e candidatos
da oposição com toda ênfase possível para evitar a eleição da candidata Dilma Rousseff.
Naquele ano, Donadon foi escalado pelos seus próprios pares para ser sacrificado
e exibido como um exemplo de austeridade da mais importante corte de justiça do
País, o Supremo Tribunal Federal.
Fizeram
o arremedo de julgamento, condenaram o bucha a 13 anos de cadeia e o mandaram
para casa, com direito a revisão do processo (direito que os petistas não
teriam). O caso Donadon ficou de molho durante 3 anos, aguardando as vésperas
do julgamento dos “mensaleiros” petistas. Só então funcionou o espetáculo do
tipo FDP: o STF reconheceu o trânsito em julgado e expediu mandado de prisão
para cumprimento da pena; Donadon foi recolhido à Papuda, aceitou todo tipo de
humilhação: fundo do camburão da polícia, roupa de detento, discurso estéril,
piegas e atrofiado na tribuna da Câmara (tremendo teatro, peça encenada por um canastrão
de quinta categoria). Tudo com direito a uma intensa e espetaculosa cobertura midiática.
Assim foi exibido um FDP, atendeu-se a população brasileira com “justiça
delivery”, portanto o mesmo deveria ser aplicado aos condenados do mensalão
petista.
Perguntinha
insistente: Por que não usaram qualquer outro ficha suja? Deve ter uma penca
deles aguardando julgamento de seus crimes. Provavelmente porque Donadon é
fichinha, um sujeito tosco, com a cabeça a prêmio, já contando com muitos
inimigos (malandro demais, do tipo que se atrapalha), subserviente, cínico,
jovem, tem futuro “obscuramente brilhante”; pode ficar em stand-by por um bom período, pequeno sacrifício e prova de gratidão
por todas as oportunidades e privilégios que há muito tempo vem desfrutando. Só
por isso tudo, Donadon foi escolhido para o papel principal da encenação de um oportuno
FDP.
Matérias sobre as
condições de vida dos presidiários
Depois
da prisão dos “mensaleiros” petistas, foram veiculadas várias matérias sobre as
condições de vida dos presidiários nas mais diversas prisões do País.
“Especialistas”
debateram acerca das questões referentes à população carcerária no Brasil,
opinaram sobre as motivações que estimulam condutas transgressoras das normas
sociais; fóruns específicos restringiam-se ao exame do direito ao cumprimento
de pena sob regime semiaberto, e geralmente concluíam reconhecendo as
dificuldades de se efetivar esse direito, beneficiando a todos os que dispõem
de condições legais para usufruí-lo, alegavam superlotações dos presídios e
insuficiência de pessoal e recursos das varas de execuções penais; alguns desses
“especialistas” alertavam para o grau de periculosidade de determinados
detentos e a possibilidade de tais elementos se evadirem dos institutos penais.
Enquanto
uns atacavam, outros aprovavam, com ressalvas, os dispositivos legais que
regulamentam atos de anistia, indulto e “saída temporária” dos presidiários em
períodos de comemoração, festividades e datas especiais.
Também
foram abordados casos de “regalia” dos “reeducandos” (comida especial, confraternizações
suspeitas, uso de celular, visitas extraordinárias, fora do horário
regulamentado etc.). Estava plantado um FDP “preventivo”, com o propósito de
“indignar” a população, caso um petista recebesse tratamento “diferenciado” da
massa carcerária.
A
partir daí, insinuaram que estavam ocorrendo visitas “irregulares” aos petistas
condenados e, com isso, instigaram os demais detentos a se rebelarem. Imaginavam
que seus familiares se sentiriam enganados, excluídos, e estimulariam uma rebelião.
Não funcionou. Ignoram que aquilo que as famílias dos detentos mais temem é
exatamente rebelião.
O que o motim em Pedrinhas
tem a ver com a Papuda?
Em
Pernambuco existem presídios em condições extremamente degradantes, mas
Pernambuco é governado por um político pouco mais influente que Donadon, um
trânsfuga que deixou a máscara cair, afastou-se do governo Dilma e correu para
os braços de seus verdadeiros pares e protetores.
Com
a ajuda de instituições e indivíduos a serviço do golpe de estado, tocaram fogo
no complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão dos Sarney, que insistem em
manter apoio ao governo petista. Ou alguém aí pensa que rebeliões em presídio
ocorrem meramente por decisão dos internos? Se assim fosse, teriam levantado o
complexo penitenciário de Bangu. Mas, aqui no Rio, está cada vez mais difícil
esse tipo de manobra, tanto pelas medidas do governo como pela consciência das
próprias facções dos internos.
Depois
do terror plantado e consumado em Pedrinhas, voltaram as lentes e holofotes
para a Papuda, novamente instigando os internos a se rebelarem contra supostas
“regalias” dos mensaleiros. Ainda não conseguiram, mas certamente não
desistiram; pelo contrário, o ódio foi acirrado com a absolvição dos réus sobre
os quais pesava a acusação de formação de quadrilha.
Roberto Jefferson e seu
momento Donadon
Roberto
Jefferson, o “delator-herói”, foi colocado, assim como Donadon, no banco de
reserva, para ser usado em momento oportuno. Ele poderia ter recebido ordem de
prisão tão logo saiu a sentença condenatória, negando-lhe pedido de prisão domiciliar
sob alegação de estar acometido de grave enfermidade, ou em delicada fase de
convalescência, isso promoveria um imediato FDP, e tal “justiça delivery”
serviria de pretexto para negar a mesma reivindicação feita por Genoino. No
entanto Jefferson é um caso problemático para os golpistas da mídia, “batata
quente”, “faca de dois gumes”. Por isso, só agora, depois de lhe terem dado
todas as garantias de segurança e razoável conforto, foi determinado o seu
recolhimento a um presídio, uma unidade de pequeno porte, “padrão” para casos
de detentos com direito ao regime semiaberto, sem influência de facções do
crime organizado, apropriada para condenados como Jefferson, que precisa ser
mantido em regime de “seguro”, por se tratar de X-9, um tipo de elemento dos mais
odiados entre os que foram empurrados para o submundo do crime.
Jefferson,
na segunda-feira (24/2), foi exibido ao público como um obediente condenado:
fizeram um tuor com ele por diversas
repartições e finalmente mostraram sua imagem em uniforme de presidiário e com
a “cabeça raspada”, principal detalhe para autenticar um FDP do tipo “todos
devem ser tratados por igual”. A partir daí, a mídia golpista fez circular o
boato de que Delúbio havia se queixado de ter sido obrigado a tirar a barba e de
estar sendo servido de cardápio especial: churrasco e feijoada.
Segurança máxima para
os “mensaleiros” petistas
Basta
a mídia golpista sugerir que possa estar existindo alguma irregularidade do
tipo “regalia”, e isso já equipara os petista a criminosos da mais alta
periculosidade, sujeitos a serem confinados em presídios de segurança máxima,
como qualquer chefe de cartel das drogas ou serial
killer.
Vejamos:
G1 - 25/02/2014
MP quer transferência de presos do mensalão
se constatadas 'regalias'
Reportagens
apontaram privilégios a Delúbio e Dirceu em presídios do DF.
Promotoria
pede rigor na apuração e quer explicações de Agnelo Queiroz [governador
do DF (PT)]
O
Globo – 26/02/2014
MP
denuncia regalias de mensaleiros e sugere transferência de presídio
André
de Souza e Vinicius Sassine
O
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recomendou a
transferência dos réus do mensalão para presídios federais caso não sejam
eliminadas as regalias constatadas no Centro de Internamento e Reeducação
(CIR), dentro do Complexo Penitenciário da Papuda (foto abaixo), e no Centro de
Progressão Penitenciária (CPP), localizado fora do complexo.
A
recomendação foi elaborada nesta terça-feira pelas seis promotoras de justiça
que atuam na área de execuções penais em Brasília e encaminhada à Vara de
Execuções Penais (VEP) do DF, responsável pelo acompanhamento das penas dos
condenados.
Se
os juízes entenderem haver impossibilidade de corrigir as irregularidades, as
promotoras pedem o encaminhamento de uma representação ao Supremo Tribunal
Federal (STF), para que os réus do mensalão sejam transferidos para um dos
quatro presídios federais: Campo Grande (MS), Porto Velho (RO), Mossoró (RN) ou
Catanduvas (PR).
Um FDP que teria
acontecido se tivesse ocorrido
Rede
Globo de Televisão – Jornal Hoje
Edição
do dia 27/02/2014
Polícia revela suposto plano para resgatar
presos [de prisão de segurança
máxima] em São Paulo
Segundo a polícia, bandidos planejavam
usar um avião e dois helicópteros.
Os alvos principais são o traficante Marcola e mais três chefes da quadrilha [PCC].
(Para
ler completo e assistir à matéria, clique AQUI)
Essa
foi uma notícia muito comentada na semana passada, não pelos acontecimentos,
mas exatamente pelo não-acontecimento de coisa alguma, que poderia ter sido,
existido ou ocorrido, mas não foi nada, não existiu e não ocorreu.
Muita
gente tem especulado sobre os motivos de terem veiculado, com tanta riqueza de
detalhes e espetaculosidade, uma matéria sobre um fato não ocorrido.
Há
quem acredite que a “notícia” do suposto plano de fuga abortado antes de ser ao
menos concebido teve como objetivo promover a administração do governo de São
Paulo, visando as eleições deste ano.
Para
outros, a veiculação da matéria teria o propósito de desviar a atenção das graves
denúncias de corrupção nos governos paulistas do PSDB, no poder há 20 anos,
período em que surgiu e se fortaleceu a facção criminosa PCC.
Mas
observemos que tal matéria foi ao ar exatamente no momento em que a questão da
transferência dos presos petistas na Papuda para presídio de segurança máxima
estava sendo incitada pela mídia golpista e examinada pelo MP do DF, com o
propósito de encaminhar representação ao STF, a fim de que
a medida pudesse vir a ser tomada.
Reproduzida a matéria no Jornal Nacional, o
governador Geraldo Alckmin foi entrevistado e manifestou-se com uma única
frase: “Não é possível fugir de um presídio de segurança máxima”.
Isso
pode indicar que eles pretenderam tão somente suscitar entre a população a
desconfiança de que os réus do mensalão petista estariam tramando uma fuga.
A
questão é que, se o golpe à base do vale-tudo, como em 64 ou nos moldes do que
aconteceu recentemente na Ucrânia e está em marcha na Venezuela, acontecer,
eles temem que a resistência resgate os presos políticos.
Mas
é bom que não esqueçam: “A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”.
Portanto, quem hoje planta o terror, amanhã viverá aterrorizado, colhendo frutos
amargos da lavoura maldita que cultivaram.
Fernando Soares Campos
_______________________________________________________________________________
(IN)SEGURANÇA PÚBLICA
O fato que não aconteceu
Por Luciano Martins Costa em 27/02/2014 na edição 787
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/2/2014
Os dois principais jornais paulistas de circulação nacional trazem como destaque um fato que poderia ter acontecido se não tivesse sido noticiado. Trata-se de um plano mirabolante que estaria pronto para ser aplicado pela organização criminosa chamada Primeiro Comando da Capital (PCC) para libertar quatro de seus principais líderes de um presídio de segurança máxima no interior de São Paulo.
O enredo tem detalhes dignos de um desses filmes de ação produzidos com efeitos especiais por Hollywood. As descrições oferecidas pelos dois jornais na edição de quinta-feira (27/2) são tão semelhantes e tão ricas em detalhes que o leitor crítico vai imaginar que as reportagens foram escritas pela fonte, não pelos jornalistas.
E quais seriam as fontes?
Uma das versões indica que a história foi vazada por ex-integrantes da Secretaria da Segurança Pública, ou seja, os dois jornais teriam se colocado a serviço de uma intriga interna no governo paulista. As reportagens relatam que o PCC vem planejando desde o ano passado a fuga espetacular de seu principal mentor, o traficante Marco Willians Herbas Camacho, e três outros chefes do crime organizado, que cumprem pena no sistema penitenciário de Presidente Venceslau (SP). O plano inclui o uso de dois helicópteros blindados, pintados com as cores e o escudo da Polícia Militar, um cesto também blindado para içar os presos do pátio, e um avião para transportá-los até uma fazenda no Paraguai.
Três integrantes da facção criminosa teriam recebido um curso de pilotagem de helicóptero, ministrado por ninguém menos do que o copiloto do aparelho que foi apreendido em novembro de 2013 com 450 quilos de cocaína numa fazenda do Espírito Santo. O aparelho pertence a uma empresa do deputado mineiro Gustavo Perrella (SDD), filho do senador Zezé Perrella (PDT). Uma casa teria sido alugada no noroeste do Paraná, para servir como quartel-general da operação.
O relato, mais detalhado no Estado de S. Paulo, que publicou uma primeira versão em seu site, na véspera, juntamente com o telejornal SBT Brasil, seria parte de um documento que vinha sendo guardado a sete chaves no comando da Polícia Militar. O vazamento pegou a polícia em plena operação para abortar o resgate, o que deixa a cúpula da segurança pública em situação embaraçosa, para dizer o mínimo.
História mal contada
Tudo indica que sete chaves não são suficientes para guardar segredos no centro da estratégia policial de São Paulo. Segundo o Estado de S. Paulo, uma equipe do Comando de Operações Especiais, com seis atiradores de elite munidos de armas poderosas, ainda permanecia, na quinta-feira (27), de tocaia na mata ao redor da penitenciária.
A publicação do documento vazado para a imprensa torna sem sentido a operação. Há duas hipóteses possíveis para explicar a trapalhada: a primeira, aventada pela Folha, diz que o documento contendo detalhes da investigação e o plano para abortar a fuga dos criminosos foram divulgados por integrantes de gestões anteriores na Secretaria da Segurança Pública, o que indicaria a falta de comando do governador sobre seus subalternos.
A outra hipótese, improvisada por este observador a partir da leitura dos jornais, é mais generosa: a polícia decidiu vazar as informações, diante da possibilidade de os criminosos sequestrarem pilotos de helicópteros para obrigá-los a participar do resgate.
Há outra questão que pode ser colhida nas reportagens: a polícia monitora há tanto tempo as comunicações dos operadores do PCC envolvidos no plano de fuga, que surpreende o fato de ainda não ter produzido um inquérito capaz de determinar sua prisão. Um aspecto adicional se refere ao verdadeiro poder de ação da quadrilha, que é apontada como responsável por todo episódio criminoso de grande repercussão em São Paulo.
Neste mesmo episódio, por exemplo, o Estado cita reportagem publicada em outubro do ano passado, na qual se afirmava que o PCC estava planejando cometer atentados durante a Copa do Mundo e às vésperas das eleições deste ano. Ora, se essa facção é assim tão poderosa, o que impede o governo de produzir uma estratégia definitiva para reduzir sua influência e impor a presença do Estado onde ela é necessária? Ou faz parte da estratégia manter a mística do inimigo perigoso, para justificar certas ações da polícia?
Como se vê, a reportagem sobre o acontecimento que não aconteceu ficou incompleta.
_______________________________________________________________________________Facebookada
Prezado escritor Fernando,
Dando continuidade à nossa atividade de divulgar o trabalho dos nossos colaboradores, informamos que foi colocado um LINK DE DESTAQUE para o seu texto "Solidão atarefada e autoconhecimento, eis um caminho para a redenção", setor "ARTIGOS E CRÔNICAS". Este texto ficará neste espaço durante 1 semana, ou até ser substituído por outro mais recente. Clique na página principal, setor "ARTIGOS E CRÔNICAS" e confira: http://www.paralerepensar.com. br#link_de_destaque
Abraços,
Albertino Fernandes (Construtor)
Para você que pensa e atua
_______________________________________________
Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons
Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons
_______________________________________________
PressAA
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário