terça-feira, 12 de janeiro de 2010

DESMITIFICANDO LULA – 5

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Raul Longo

O poeta norte-americano Ezra Pound advertiu em seus Cânticos: “Com usura não se constrói nem cemitério”.

De fato, além dos civis exterminados pelas guerras que o governo do país de Pound promove pelo mundo – lembrados por Barack Obama em justificativa de sua declaração de guerra ao receber o Prêmio Nobel da Paz – o imperialismo econômico tem deixado mais mortos insepultos do que as intervenções bélicas.

Na sistemática deste procedimento, mesmo com tantos Vietnãs e Arábias, tantas Ásias, golpes de estado e imposição de ditaduras tirânicas na América Latina, em nenhum outro lugar a política econômica internacional mata tanta gente de fome, sede e peste quanto na África. Embora, sempre, sobre África todos se calem num consentimento tácito.

Ocorre que, quanto às barbaridades cometidas contra os africanos, toda a civilização cristã divide culpa igual há muitos séculos. E interesses também.

Nos sermões bíblicos haverá alguma distinção dos homens perante Deus, quanto à pigmentação?

Por quase três mil anos uma isolada tribo etíope manteve todas as tradições religiosas judaicas. Testes de DNA contrariaram a aversão dos que não queriam aceitar a possibilidade de negros entre o segmento hebreu dos semitas.

Seriam os falashas ou Beta Israel, como se denominam os judeus negros, descendentes de hebreus ou os hebreus descendentes de negros?

Apesar dos preconceitos, esses judeus da Etiópia foram recebidos pelo governo de Israel entre 1984 e 1991. Hoje, segundo um informativo eletrônico da comunidade judaica portuguesa, Israel está se fechando para os judeus negros por ordem dos judeus dos Estados Unidos. Mas interessante observar o comentário de um leitor do informativo: “Os negros em Israel são empregados em serviços sujos e perigosos, prestando atenção você percebe que, quando um atentado terrorista ocorre em Israel, os recolhedores de cadáveres são sempre os negros. Os negros em Israel são muito mal remunerados”.

Se os judeus, tão discriminados ao longo de milênios, discriminam outros judeus por serem negros, o que os brancos cristãos têm a ver com a Etiópia?

Apesar de algumas teorias discordarem, apontando a possibilidade de a espécie humana ter surgido em diferentes partes do mundo, todas as evidências acumuladas pela arqueogenética nas últimas décadas confirmam que os Beatles tinham razão: nossa avó viveu entre diamantes sob os céus da Etiópia.

Ao correr mundo emigrando de continente em continente, vovó foi gerando nossos pais em diversas cores de olhos e pele, com diferentes fios de cabelo e traços de rosto, mas o DNA mitocondrial (o que define a ascendência genética através das gerações) não esconde: somos todos descendentes da mesma ereta e sábia negra, musa do quarteto de Liverpool em “Lucy in the Sky with Diamonds”.

Quanto à teoria da inspiração da letra da música há controvérsias, mas na prática o que se comprova é que pelos diamantes de Lucy há muitos séculos seus netos do hemisfério norte matam as origens do saber humano, apenas para saquear as jóias da vovó.

Escravizados por mais de três séculos o povo africano construiu com as próprias mãos e sob chibata, as riquezas da Europa e das Américas. Há mais de cinco séculos, em seu próprio continente esse povo é invadido, corrompido, seqüestrado, mutilado e saqueado. Destroem seu ambiente, massacram seus animais e suas crianças, disseminam doenças usando-os de cobaia, tratando-os como subespécie.

Dos 30 países mais pobres do mundo, 21 estão na África. Entre eles a Nigéria, um dos maiores produtores de petróleo do planeta, que repassa o mineral às grandes distribuidoras internacionais pelo menor custo de mercado. O peso político desses grupos garante a manutenção da extrema miséria daquela que é a 8ª maior população do mundo.

Depois da Nigéria, o país com maior população de cidadãos negros e afro-descendentes é o Brasil. O tráfico negreiro ao Brasil iniciou-se em 1559, mas já antes disso se negociava escravos negros para a incipiente lavoura.

O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão de negros (embora o escravismo permaneça até hoje), às vésperas do século 20. Todas as culturas agrícolas, principal fonte de entrada de recursos ao país ao longo de nossa história, se desenvolveram pelas mãos dos descendentes de africanos. Praticamente todas as cidades brasileiras, grandes e pequenas, foram construídas por afrodescendentes.

Não obstante, a abolição da escravatura não correspondeu a esta inestimável contribuição. Os afrodescendentes continuam marginalizados e discriminados, impedidos de integração e evolução social, de acesso aos estudos, de inclusão no mercado de trabalho e de consumo.

Jean Paulo Sartre explicava o racismo contra os negros afirmando que estimulam a inveja dos brancos que os crêem superiores em algumas características: força e desempenho físico e esportivo, destreza, longevidade, despojamento, humor, e, inclusive, desempenho sexual. Pode ser, mas no Brasil, onde aproximadamente a metade a população é afrodescendente, os motivos parecem compreender ainda maiores e mais acirrados complexos.

A indisposição contra a África pode ser notada quando se verifica entre aqueles mesmos analistas econômicos que elogiaram o perdão à dívida da Argentina pelo governo Fernando Henrique, uma intransigente crítica às dívidas perdoadas pelo governo Lula aos países do continente africano.

Crítica tão espessa que apesar de, em todas suas campanhas à presidência, Luís Ignácio Lula da Silva ter defendido a necessidade do Brasil se aproximar dos países do Hemisfério Sul, sobretudo os de África e da América Latina, meu amigo Príamo considera como uma das contradições do Presidente:

“Começou a destinar verbas para diversos países, esquecendo de atender carências do nosso povo, chegando até a enviar dinheiro para a Venezuela; perdoou 95% da dívida de Moçambique, de US$ 315 mi; da Nigéria cancelou R$ 83,1 mi; perdoou da Bolívia, 52 mi; da Nicarágua, 95% de US$ 141 mi; e outros mais, enquanto aqui no Brasil, faltam verbas para a saúde pública, para a escola pública, para a segurança pública, e segundo consta vai vetar aumento aos aposentados do projeto que tramita agora na Câmara, do Senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul”.

O enunciado é extenso, e é preferível seguirmos do fim pro começo.


Durante os oito anos em que se mantiveram no governo os tucanos e seus aliados do então PFL bloquearam os reajustes salariais aos funcionários públicos enquanto perdoavam as dívidas de governos aliados do continente, como Alberto Fujimori e Carlos Menem. Concomitantemente triplicaram nossa própria dívida em função da crise russa, mexicana e asiática.

Em compensação o índice de reajuste do salário mínimo no primeiro mandato de FHC alcançou 20,5% e, no segundo mandato, um pouquinho mais: 20,6%.

Já no primeiro mandato de Lula este índice saltou para 25,3%. Com o reajuste para 2010, alcançou seu valor mais alto desde a década de 50. Evidentemente isso teve reflexos na carga previdenciária que de 5,40% do PIB em 1997, saltou para 7,12% em 2004 e, hoje, evidentemente mais.
Considerando a queda do PIB em razão da crise internacional na qual ainda estão involucrados nossos principais importadores, não é difícil imaginar os motivos para, mesmo em ano eleitoral, o governo demonstrar receios em atender o bem intencionado projeto do Senador Paim.

Não diria que Paim esteja sendo demagogo como os oposicionistas que o apóiam, mas faz lembrar quando propuseram aumentos absurdos tão logo findo seus 8 anos de ridículos reajustes que mal cobriam o preço da passagem do transporte diário do trabalhador. Mas daí confundir o senso de responsabilidade do governo culpando aos países mais pobres do mundo, há uma distância bastante grande.

Tão quanto a de conferir a esses países os problemas da segurança pública que sequer correspondem à alçada do governo federal. Afora os crimes econômicos e contra a segurança nacional, a Polícia Federal não tem qualquer autonomia para intervir em prol da segurança pública em nenhum estado ou cidade brasileira.

Apenas quem pode agir nesse sentido é a Força Nacional de Segurança, criada pelo mesmo governo Lula em 2004 e que já atuou em alguns estados como Espírito Santo e Rio de Janeiro.

O próprio Presidente reiteradamente disponibilizou os serviços da Força Nacional nas duas vezes em que a facção criminosa PCC seqüestrou o mais rico estado da federação. A ajuda foi dispensada pelo governo de São Paulo que, para reprimir a ação comandada de dentro de um presídio de segurança máxima, executou mais de 400 cidadãos inocentes. Um escândalo internacional abafado pela mídia brasileira, mas que não compete ao Presidente evitar, visto que a Força Nacional de Segurança atua exclusivamente quando solicitada pelos governadores, estes sim responsáveis pela segurança pública.

Quanto às escolas públicas, os 12 campus universitários construídos no Brasil nas últimas décadas é uma realização do governo Lula. E as 214 escolas técnicas também.

Na área da saúde a primeira grande realização do governo Lula foi reduzir em mais de 80% os registros de casos de dengue de 2002 para 2003. Neste iniciante ano de 2010, somente no estado do Rio Grande do Sul, governado pela tucana Yeda Crusius, está sendo aplicado mais de 72 bilhões de reais em obras que atenderão a saúde pública nas 28 regiões gaúchas, tal qual pode ser conferido pelo endereço www.lula.ptsul.com.br.

Em Florianópolis, onde o sistema de captação de esgoto atendia apenas 30% da população da Ilha de Santa Catarina, as obras previam para 2010 o atendimento do restante 70%. Ao encargo da Companhia de Água e Saneamento de Santa Catarina – CASAN – órgão do governo estadual politicamente aliado à FHC e Bornhausen –, o projeto financiado pelo PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – apresentou diversas ameaças ao meio ambiente. À reação da população local o governo federal interveio exigindo reestudo das estações de tratamento e, provavelmente, não se poderá inaugurá-las em conjunto às demais que vêm sendo realizadas em diversas partes do país, em busca da redução de um dos maiores déficits mundiais em saneamento.

Mas talvez Príamo tenha razão. Se, ao contrário da benevolência de FHC com a voracidade de seu amigo Menem, que em menos de uma década levou à bancarrota o país mais rico do continente (ainda assim, com dívida externa menor do que a acumulada pelo colega brasileiro), o governo Lula obrigasse a Bolívia, a Nicarágua e os citados países africanos a pagar o que nos deviam, certamente teria feito algo mais.

Talvez alguns se perguntem: obrigá-los como? Considerando os governos que concederam esses empréstimos como mais imprevidentes, pois evidente que não teriam condições de honrá-los. No entanto, se esquecem que o governo Lula também reconstituiu a extinta indústria naval brasileira e, assim sendo, à exceção da Bolívia, que não tem mar, poderíamos invadir todos os outros e subjugá-los com a Armada, com fazia o Império Britânico ou os Ibéricos.

Um grande negócio, sem dúvida, pois aí está o mundo inteiro de olho na África, inclusive a China. Mas o governo Lula insiste nessa política de aproximação de interesses e solidariedade, como em Moçambique, onde parte da dívida a nos ser paga foi revertida à instituição de um laboratório, dirigido por técnicos do Laboratório de Manguinhos, para produção de remédios necessários aos portadores de HIV, que atenderá todo o continente.

É verdade que o governo tem obtido aumento de importação de produtos brasileiros por esses devedores perdoados; mas por que não podemos ser tão dominadores quanto os Estados Unidos, imitar o Império Britânico, ou o Império Romano e subjugar toda a América Latina?

Por que não podemos revogar a Lei Áurea, por exemplo, e tirar proveito da grande senzala que ao longo dos séculos 19 e 20 se constituiu em África?

Ao invés disso, Lula manda dinheiro para construir o metrô de Caracas, em troca da participação da Venezuela na Refinaria Abreu e Lima. Pra quê construir aquela refinaria em Pernambuco? Só para ajudar a desenvolver o Nordeste?

Segundo os sulistas, com o dinheiro enviado para o metrô venezuelano Lula poderia ter salvado a Varig, cobrindo os prejuízos da empresa cujas sonegações já haviam sido perdoadas pelo FHC. Mas não! Continua com essa mania de ajudar os mais pobres, atendendo as carências de 40 milhões de miseráveis que agora viraram classe média!

Príamo tem razão. Isso realmente é uma grande contradição com a história do nosso país, pois não estamos aqui para bancar os coveiros de João Cabral de Melo Neto, nem haveremos de dividir palmos de terra com paus-de-arara, crioulos ou cucarachas.

Que procurem outro cemitério!

Raul Longo
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC

Raul Longo, jornalista, poeta e escritor, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Para quem não leu as postagens anteriores da série DESMITIFICANDO LULA:

1 - http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/desmitificando-lula-i.html

2 - http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/desmitificando-lula-2_20.html

3 - http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/desmitificando-lula-3.html

4 - http://assazatroz.blogspot.com/2010/01/desmitificando-lula-4.html


Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA

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Um comentário:

Ruivo disse...

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

Vozes d'África - Castro Alves
11 de junho de 1868