O Brasil assiste, de cócoras, a volta
dos bandeirantes, que estão atacando pra valer, com metodologia igualmente
truculenta, mas mais sofisticada. No período colonial, quando os índios eram
maioria, eles organizavam as bandeiras, expedições armadas que invadiam aldeias e queimavam malocas para
aprisionar os seus ocupantes e vendê-los como escravos. Agora, em pleno séc. XXI, quando os índios são minoria, os
agrobandeirantes lançam ofensiva muito bem organizada com o objetivo de varrer
definitivamente os índios do mapa do Brasil para se apropriarem de suas terras.
Para isso, contam com a cumplicidade da grande mídia.
O último exemplo dessa violência foi a
morte do terena Oziel Gabriel, em Sidrolândia (MS) na semana passada. Nos
últimos quarenta anos - segundo Tonico Benites, índio guarani Kaiowá que é
mestre em antropologia pelo Museu Nacional - no Mato Grosso do Sul, mais de 200
líderes indígenas "foram torturados e assassinados
de modo cruel pelos pistoleiros contratados pelos donos das fazendas". Só na última década, no Brasil, durante os oito anos do Governo Lula e
os dois do Governo Dilma, foram assassinados 564 índios, conforme levantamento
realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
- "Vai morrer mais
gente" - ameaçou em
entrevista à Folha de São Paulo (6/6/2013) o presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do
Sul (Acrisul) e da Frente Nacional da Pecuária (Fenapec), Francisco Maia, uma
espécie de Borba Gato dos tempos modernos. Ele informa que os agrobandeirantes
estão armados:
- "Vai ter mais
sangue. Isso que aconteceu, de morrer um índio, pode ser pouco diante do que se
anuncia. Estamos falando de um massacre iminente. Temos produtores que se
recusam a sair de suas propriedades e estão armados".
A Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA), em nota oficial, reforçou a ameaça, avisando que "caso a situação não seja revertida, poderão ocorrer novos e
dramáticos confrontos de consequências imprevisíveis".
Para que isso não ocorra, a CNA,
através de discurso da senadora Katia Abreu, exige a elaboração de uma nova
política indigenista, a suspensão imediata dos processos de demarcação de
terras indígenas - o que contraria a Constituição em vigor no Brasil - a
transferência para o Congresso Nacional da competência de dizer o que é e o que
não é terra indígena e a revalidação da portaria da AGU que restringe os
direitos constitucionais dos índios.
AGROBANDEIRANTE
A prática adotada por essa nova leva de
agrobandeirantes é similar a que foi testemunhada no período colonial por
Jerônimo Rodrigues, que presenciou o assassinato de índios velhos, enfermos e
crianças e chamou os bandeirantes de bandidos:
- “Nenhuma pessoa, que não tenha visto
com os seus próprios olhos tais horrores abomináveis, pode imaginar coisa
igual. A vida inteira desses bandidos consiste em ir e vir do sertão, indo e
trazendo cativos com muita crueldade, mortes, saqueios e depois vendendo-os
como se fossem porcos do mato”.
- "É necessário
desarmar os espíritos" - afirmou o ministro da Justiça José
Eduardo Cardozo. Pelo visto, se for verdade o anúncio de Francisco Maia Borba
Gato e da CNA, não são apenas os espíritos que devem ser desarmados. A Força
Nacional de Segurança, que ocupou a área, deve desarmar também as agromilícias
formadas por pistoleiros contratados pelos fazendeiros.
A nova ofensiva dos agrobandeirantes
anunciada pelo coordenador da bancada ruralista na Câmara, deputado Luiz Carlos
Heinze (PP/RS - vixe, vixe!) prevê uma manifestação que a Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA) organizou para fechar as rodovias federais na
próxima sexta-feira, dia 14, no horário das 9h às 14 h.
Escudando-se na imunidade parlamentar,
a FPA distribuiu banners, camisetas, adesivos para carros, post para facebook,
outdoors, anúncios de jornais e revistas, com a recomendação para dizer que
esse material foi produzido pela Frente Parlamentar de Agropecuária "para evitar eventuais ações judiciais futuras", segundo matéria
assinada por Evandro Éboli de O Globo(7/6/2013). Eles
sabem que estão agindo ilegalmente.
Um panfleto da FPA que já começou a ser
distribuído nas rodovias identifica o foco da tensão no campo: "a origem das arbitrariedades é a Funai, que na ânsia de ampliar ao
máximo as reservas indígena, promove a violência por intermédio de invasões de
propriedades rurais". Ou seja, na lógica da CNA, só chove porque
as pessoas saem às ruas com guarda-chuvas e não o contrário.
UÍSQUE DO PARAGUAI
No Estado de Mato Grosso do Sul,
segundo Tonico Bentes, vivem 90 mil índios, pertencentes a oito etnias, cujas
terras foram invadidas por fazendeiros. Os índios, deportados de suas aldeias,
ficaram confinados em acampamentos de beira de estrada. Agora, reivindicam as
terras ocupadas pelos agrobandeirantes, que responsabilizam a Funai - o órgão
encarregado de identificar e demarcar as terras indígenas. É dentro desse
contexto que deve ser analisada esta nova ofensiva dos agrobandeirantes, que contam
com o apoio incondicional da grande mídia.
Neste sábado, o Globo berra em manchete: "EMBRAPA
ACUSA FUNAI DE DEMARCAR TERRA SEM ÍNDIO". Demarcar terra sem índio?
Alguém está mentindo: ou o funcionário da Funai ou o da Embrapa ou O Globo. Se a "notícia" for verdadeira, é preciso que o jornal aponte
os nomes dos funcionários responsáveis para que sejam punidos e processados por
crime de falsidade ideológica. Se for mentira, quem deve ser punido é o
funcionário da EMBRAPA, autor anônimo do relatório de onde o jornalão da
família Marinho jura ter retirado tal "informação".
Mas o jornalão nem se preocupa em
apontar nomes, nem em comprovar se a "notícia" é verdadeira. Embarca
na canoa do agrobandeirantismo e anuncia como verdade o que é falso, nos
permitindo concluir que está agindo mesmo de má-fé.
E se eu for lá, tirar fotos e mostrar
que a terra está ocupada por índios? O Globo, na mesma edição, no
sub-título, se apressa em prevenir que são "indígenas que
vieram do Paraguai".Esse é um argumento mais velho do que "a preta
do leite", tão antigo que é de estranhar que na carta dirigida a D.
Manuel, Pero Vaz de Caminha não o tenha informado que os índios da Bahia eram
paraguaios.
A revista VEJA em 2007 veio com o mesmo
papo. Eles pensam que índio é como uísque: se veio do Paraguai, é falso.
Desconhecem as pesquisas etnográficas e etnohistóricas, que envolvem um
cuidadoso levantamento genealógico, sistemas de parentesco, organização social,
cosmologia, conhecimento da língua e registros escritos e orais. Se lessem tais
estudos, saberiam que o povo guarani habita esses territórios muito antes da
criação das fronteiras nacionais e que ainda hoje é comum encontrar nas aldeias
guarani do Brasil, Argentina, Uruguai ou Paraguai indivíduos e famílias que moraram
ou nasceram em diferentes países.
Os donos do poder, para defender seus
interesses particulares, sempre exploram o sentimento nacional que está no
coração de cada brasileiro e transformam isso em xenofobia. Quando são
incomodados, inventam sempre um inimigo estrangeiro: os anarco-sindicalistas
eram espanhóis ou italianos, os comunistas eram russos ou cubanos, agora
os índios são paraguaios. Não precisa da Embrapa para fazer tal afirmação. É
tão inconsistente e ridículo como se os índios, vendo os cabelos louros, os
olhos azuis e os sobrenomes dos fazendeiros, os "acusassem" de
"alemães".
Um aluno guarani do Curso de Formação
de Professores do Rio Grande do Sul, onde ministrei algumas aulas, me deu de
presente um cd com músicas em língua guarani. Em uma delas, tem um poema que é
um hai-kai. Nele, a borboleta amarela que voa no céu azul é infinitamente bela,
entre outras razões, porque não faz mal a ninguém. Beleza e bondade caminham
juntas. Com esse critério, podemos nos perguntar qual é a estética e a ética da
violência cometida contra os índios? Como classificar O Globo, o agronegócio e Kátia
Abreu em sua infinita maldade?
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José Ribamar Bessa Freire: Doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003). É professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado, e professor da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Faculdade de Educação. Ministra cursos de formação de professores indígenas em diferentes regiões do Brasil, assessorando a produção de material didático. Assina coluna no Diário do Amazonas e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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